Algumas pessoas são realmente admiráveis. Um artista que toca nossa alma com sua sensibilidade, um esportista que nos emociona ao se superar a cada apresentação, uma pessoa pública que leva uma vida de abnegação para se dedicar ao bem comum, um executivo que extrai o máximo de cooperação de sua equipe. Cada um de nós tem a sua listinha particular. Mas não quero dar nomes. O que me interessa é o fenômeno, é entender o que torna uma pessoa admirável. Ela não é o resultado de uma ou outra característica isolada, mas de um conjunto de atributos que, combinados, a colocam um palmo acima da humanidade, como um referencial, um paradigma de vida a ser seguido.
É inevitável encabeçar o conjunto de qualidades com aquela sugerida por Nietzsche, que escreveu: “O que não me mata me fortalece”. O que o filósofo alemão sugere com a célebre máxima vai muito além da resiliência. Não se trata apenas de absorver pancadas e seguir em frente. Trata-se, isto sim, de se tornar um ser humano melhor a partir dos obstáculos que são colocados em nosso caminho. Pessoas assim — que encaram um revés como uma oportunidade de crescimento individual — são mais do que simplesmente fortes. Talvez não haja ainda uma palavra exata para descrevê-las. Na falta de um termo próprio, vou chamá-las de “antifrágeis”, como foram denominadas numa recente publicação em inglês.
“É como sugeriu o filósofo alemão Nietzsche: ‘O que não me mata me fortalece’ ”
Uma pessoa admirável — pode reparar — também é sempre entusiasmada, não apenas com o que faz, mas com o que pode vir a fazer. Ela é guiada pela paixão. Paixão de aprender, de se aperfeiçoar, de inventar novos limites. Tal atitude é o avesso da acomodação. A maioria dos cozinheiros se satisfaz em repetir uma receita eficiente. Um cozinheiro excepcional, admirável, tenta acrescentar ingredientes, experimentar novas consistências, combinar sabores surpreendentes, sem medo de errar, por saber que errar é demasiadamente humano. A possibilidade de erro não dita a sua conduta, não arrefece sua paixão.
Esse comportamento remete a uma terceira precondição para alguém se candidatar à condição de admirável: a insatisfação permanente. Quando atingimos o que consideramos um pico de qualidade, deixamos de tentar ser ainda melhores. É o risco do sucesso. Só os insatisfeitos com o próprio desempenho conseguem subir um degrau na escada do aprimoramento. Tão importante quanto se alegrar com os resultados obtidos é se perguntar: e agora, qual o próximo passo? O conceito é muito difundido no meio administrativo japonês, onde o princípio do Kaizen, elaborado pela Toyota, prega a melhora contínua.
Por fim, a pessoa admirável costuma ser organizada. Diante dos traços de personalidade que lhe compõem o perfil, essa parece uma qualidade menor. Mas não passa de impressão. Sem autodisciplina, qualquer boa intenção não passa disso mesmo — intenção. Sem consistência de propósito, acaba-se ficando no meio do caminho. Dietas voluntárias, rotinas autoimpostas, obrigações profissionais exigem compromisso firme. Pessoas que admiramos sabem que o problema de abrir exceção — “só hoje” — é a exceção se tornar a regra, em prejuízo da saúde, dos negócios e da vida pessoal.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767