
Café, carne, milho e açúcar estão na mesa de todos os dias. Mas, na dinâmica dos negócios mundiais, esses alimentos são fonte de saúde econômica para o Brasil. As projeções para este ano mostraram, mais uma vez, que o agro é crucial para a balança comercial do país. Exportados para diferentes continentes, os produtos do nosso campo se tornam valiosas reservas em moeda estrangeira.
Podemos nos tornar cada vez mais tecnológicos e passar a vida sem encostar em uma única nota de real, euro ou dólar. Mas todos os dias vamos ter de comer. Não é à toa que a língua registra expressões como “ganhar o pão” ou “garantir o leite das crianças”. Essa relação íntima entre valor monetário e a coisa mais fundamental que ele pode comprar me voltou à mente quando, recentemente, li um texto no jornal sobre o bitcoin, a primeira das criptomoedas, um invento de “ontem”, se pensarmos na linha do tempo das finanças.
Curiosamente, a história começou em pizza. Ou melhor, em pizzas. A criptomoeda pioneira foi lançada em 2009. Mas só teve valor mesmo a partir do momento em que um programador da Flórida ofereceu, em um grupo de conversa de internet, 10 000 bitcoins a quem lhe comprasse duas redondas tamanho grande. A partir daí, a quantidade de criptomoedas usada na transação passou a valer os 41 dólares pagos pelo jantar. Hoje, os mesmos 10 000 bitcoins têm valor de mercado semelhante ao da rede onde a refeição foi comprada: cerca de 1,3 bilhão de dólares.
“Não é à toa que a língua registra expressões como ‘ganhar o pão’ ou ‘garantir o leite das crianças’ ”
Esse episódio pode até soar curioso, mas o que seus personagens fizeram foi repetir um mecanismo ancestral. Basta lembrar a origem da palavra “salário”, que nos recorda como um condimento para nós tão costumeiro valia, na Roma Antiga, seu peso em ouro, sendo usado para pagar os soldados. Ele era precioso porque, quando nem se sonhava com geladeiras, salgava-se a carne para que ela durasse. Uma verdadeira riqueza em pó.
Mesmo depois que os romanos — e todos os demais povos — passaram a usar moedas cunhadas em metal, a comida continuou a ser parâmetro de valor. Quase todo mundo consegue entender o poder do dinheiro pela quantidade de alimento que ele compra. A comparação permite avaliar o peso de uma determinada moeda. Essa é a ideia por trás do Índice Big Mac, calculado em mais 100 países desde 1986: como o sanduíche é feito em todos os lugares usando os mesmos ingredientes que na matriz americana, quando em um país o lanche é mais caro do que nos Estados Unidos, é sinal de que a moeda local está valorizada em relação ao dólar; se custa menos, é porque ela é fraca, comparada ao dinheiro americano. Análises desse tipo podem servir para ilustrar disparidades de custo de vida dentro de um mesmo país ou cidade, partindo do valor pago por uma determinada cesta de alimentos ou por uma mesma refeição em bairros distintos.
Nos Estados Unidos, o presidente Trump fala em criar uma reserva nacional de bitcoins. A intenção fez a cotação das criptomoedas disparar. Cada vez mais, elas vêm se tornando moeda corrente, sendo aceitas em sites de compras na internet e até para adquirir carros ou imóveis. Ainda assim, neste admirável mundo novo, certas coisas jamais vão mudar; grãos como a soja, o feijão e o trigo continuarão, através dos séculos, valendo quanto pesam.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930