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A mulher que denunciou o fanatismo e o feminicídio há exatos 90 anos

Editora resgata escritoras brasileiras que questionaram valores e abusos entre os séculos XIX e XX, caso de Chrysanthème. Seu protesto continua atual

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 ago 2025, 09h14

Feminicídio, fanatismo religioso, violência contra homossexuais, abandono prisional, transtornos mentais… Esses são temas que pululam no noticiário e poderiam compor qualquer romance contemporâneo. Mas estão no enredo de um livro publicado há nove décadas por uma escritora que, como tantas outras por aqui, foi escanteada pelo cânone.

O nome dela, ou melhor, seu pseudônimo é Chrysanthème. O título: A Mulher dos Olhos de GeloE agora o leitor do século XXI tem a oportunidade de conhecer suas tramas e denúncias em obras reeditadas pela Janela Amarela. 

A carioca Cecília Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos (1869-1948) poderia ter tido a vida de tantas outras mulheres de sua época: ajudar em casa, contrair matrimônio, ter filhos, cuidar do lar… Quis o destino que, já mãe de uma criança, enviuvasse e passasse a trabalhar como jornalista e escritora para sustentar-se.

Assinando como Chrysanthème, despontou na imprensa e na literatura como uma das primeiras vozes nacionais a abordar os nós e feridas da causa feminista. Mas sua prosa não é idealista. Não existem heroínas nem vilões (nem vilãs e heróis) em suas páginas, como se comprova lendo A Mulher dos Olhos de Gelo, de 1935.

A mulher dos olhos de gelo

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Na obra confrontamos logo de cara um homem preso por matar a esposa num arroubo de insanidade alimentado pelo vício da mulher pela religião e o ódio com o qual ela e a família miravam o marido. É a partir dessa relação tempestuosa que ruem valores, certezas, hipocrisias e sonhos – e são também dedurados outros dilemas sociais dentro e fora dos muros da cadeia.

Noventa anos depois, para além de sua relevância como peça histórica e literária, o livro de Chrysanthème é também um espelho de problemas e angústias atuais (ou diríamos atemporais), como destaca Carol Engel, uma das mulheres à frente dessa missão de resgate de escritoras brasileiras esquecidas.

Com a palavra, a editora da Janela Amarela.

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A editora Carol Engel, à frente da Janela Amarela ao lado de Ana Maria Leite Barbosa (Foto: Acervo pessoal/Reprodução)

Na sua visão, qual seria o aspecto ou reflexão mais atual despertado pela leitura de A Mulher dos Olhos de Gelo?
Em um plano inicial, o livro A Mulher dos Olhos de Gelo trata de um feminicídio, e logo choca o leitor por ser narrado a partir do ponto de vista do homem: o marido condenado pelo crime, que justifica não lembrar de suas ações. Mas Chrysanthème vai além, faz uma crítica à pressão social pelo casamento, ao poder da religião, ou melhor, ao seu excesso, e como esta pode afetar as relações. A autora também aprofunda sua análise nas motivações psicológicas e distúrbios mentais.

Chrysanthème não idealiza a mulher perfeita nem a família perfeita; ao contrário, monta um retrato da sociedade da época e nos permite ver, por dentro, seus defeitos. O resgate da obra acontece em um momento em que o número de feminicídios atinge níveis alarmantes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2024 foram registradas mais de 1 400 vítimas. A contabilização desse crime só passou a ser feita em 2015, a partir da promulgação da lei que incluiu feminicídio na legislação penal brasileira, mas obras como essa comprovam que esse tipo de crime não é novo.

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Qual é o valor literário e histórico dessa autora que vocês estão recuperando, Chrysanthème?
Chrysanthème foi uma voz feminina ativa e respeitada na imprensa carioca no início do século XX. Com ironia e sarcasmo, abordava temas como o papel e a condição da mulher na sociedade brasileira, opondo-se às visões patriarcais e morais de sua época. Sem cerimônia, contrariou os padrões vigentes ao mostrar que uma mulher, viúva, podia conquistar seu sustento por meio de seu trabalho como escritora. Com uma bibliografia de mais de 20 títulos — quase todos sem republicação recente —, resgatar suas obras é também recuperar uma parte apagada da memória editorial do Brasil e devolver a voz a uma escritora relevante, que falou abertamente sobre as contradições de seu tempo.

Como surgiu a ideia de resgatar escritoras brasileiras “apagadas” do cânone tradicional? 
A ideia de resgatar obras escritas por mulheres surgiu de um questionamento: será que não havia mulheres escritoras no Brasil no século XIX? Até bem pouco tempo, apenas autores homens eram lidos nas escolas e, mesmo nos meios acadêmicos, os nomes de escritoras eram pouco conhecidos. Suas obras não foram reeditadas, o que contribuiu para que seus nomes fossem esquecidos.

Começamos as pesquisas para a composição do catálogo da editora pelo nome de Julia Lopes de Almeida e, a partir dela, encontramos muitos outras, parceiras de profissão, mulheres que, assim como ela, tinham consciência do poder das palavras e usaram seu talento para registrar sua época. Resgatar uma obra escrita por uma mulher é fazer uma reparação histórica concreta, é trazer de volta vozes silenciadas. Oferecer às novas gerações de leitores a oportunidade de conhecer a sociedade brasileira daquele período a partir da perspectiva dessas escritoras.

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Quais os principais critérios que utilizam para eleger as obras?
Além do valor histórico, consideramos o impacto literário e temático da obra. Procuramos textos que dialoguem com questões atuais — relacionamentos, maternidade, desigualdade, desejo, loucura, religião… — e que revelem os contornos da realidade feminina no Brasil. Também levamos em conta a possibilidade de edição, o acesso ao original, a viabilidade gráfica e o potencial de diálogo com o público contemporâneo.

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