Todo ser humano busca sua Tasmânia. Um porto, ou melhor, uma ilha segura, onde possa escapar do fim do mundo – seja ele uma crise pessoal, seja uma catástrofe social ou climática.
Pois esse território insular pertencente a Austrália batiza o novo romance do escritor italiano Paolo Giordano. Tasmânia, recém-publicado pela editora Âyiné, com tradução de Wander de Melo Miranda, nos faz meditar sobre o encerramento de etapas da vida e sobre o desmoronar da história e do planeta tais quais os conhecemos.
“O título me veio à mente enquanto lia um artigo científico sobre os melhores locais onde se pode encontrar abrigo em caso de colapso ambiental”, conta o autor, físico de formação e apaixonado por ciência, vencedor do principal prêmio literário italiano, o Strega, com o livro A Solidão dos Números Primos em 2008.
Tasmânia traz o escritor-protagonista enredado numa crise conjugal e, ao mesmo tempo, absorvido em um trabalho sobre as cidades japonesas destruídas pela bomba atômica e a ameaça das armas nucleares – assunto que voltou ao noticiário com o Prêmio Nobel da Paz deste ano. Uma narrativa de rupturas e recomeços, em que relacionamentos se esgarçam, a preocupação com o aquecimento global paira no ar e, com o desenrolar dos dias, a sociedade se vê enclausurada em uma pandemia.
Os fins do mundo. O fim dos mundos. Um fim de mundo. Um fim para o nosso mundo. E aí estamos nós, reles mortais, entre as burocracias, as agruras e os prazeres da vida, cruzando a trajetória deste planeta tão amado e maltratado. Goste-se ou não da deriva, Tasmânia nos obriga a pensar.
Com a palavra, Paolo Giordano.
Armas nucleares, mudanças climáticas, epidemias… O que mais o assusta quando pensa no fim do mundo (ao menos, como nós o conhecemos)?
Fico principalmente com medo de não estar aberto o suficiente para a transformação. Estou falando de uma perspectiva pessoal. Tenho medo – como muitos de nós – de perder os meus paradigmas, de não reconhecer mais o mundo que me rodeia, de não me enquadrar nas novas formas de relacionamento, de me tornar incapaz de interpretar o que está ao meu redor, de ficar cego e ensurdecido por minhas próprias convicções. E tenho medo de que a minha perspectiva e a minha arte possam subitamente tornar-se obsoletas.
Quanto ao fim do mundo em si… Tento tirar sarro dessa ideia no romance. Já falamos sobre isso há tanto tempo, vimos o fim vindo de tantas direções. Eu inclusive costumava tocar a música do REM com a minha banda, e isso foi no final dos anos 1990 [referência à canção It’s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)]… Acredito que uma pergunta muito mais interessante é: como podemos continuar aproveitando a vida enquanto o mundo acaba?
Considerando sua formação em física e seu trabalho literário, como avalia esse encontro entre as ciências ditas naturais e as humanidades?
Sinto que é um privilégio ser um escritor com formação científica. De forma semelhante ao privilégio de escritores que têm múltiplos pertencimentos geográficos, que cresceram em locais muito diferentes. Porque um mundo sempre lhe dá a possibilidade de olhar o outro de um ângulo inesperado. Vejo a literatura através das lentes da ciência, e vice-versa.
Livro após livro, passei a aceitar que minhas histórias começam principalmente com algo relacionado à ciência. Uma metáfora, uma paisagem inusitada, uma ameaça, uma questão não resolvida. Além disso, Tasmânia está repleto de ciência, a começar pelo título, que me veio à mente enquanto lia um artigo científico sobre os melhores locais onde se pode encontrar abrigo em caso de colapso ambiental. A ciência é um reservatório infinito de ideias poéticas.
Você acredita que a literatura tem o potencial de envolver as pessoas na luta contra a ameaça do fim do mundo – seja um colapso individual, seja um desastre ambiental?
Acho que a literatura tem o poder de inventar novas imagens, que muitas vezes dão forma à própria realidade. Acredito fortemente no poder gerador da literatura. E o que a humanidade acabará por fazer com essas imagens está, de alguma forma, fora do alcance da própria literatura.