Parecem superpoderes. Mas não há nada de sobrenatural. É a natureza em sua diversidade majestosa. Diversidade inclusive na forma de sentir e perceber o ambiente – e que desafia o conhecimento e a imaginação humana.
Aranhas com quatro pares de olhos dotados de funções específicas que alargam seus horizontes; bagres com papilas gustativas pelo corpo todo; toupeiras que tateiam as coisas à sua frente por meio do nariz; cobras que sentem o calor de uma presa a mais de 1 metro de distância; tartarugas com um sensor magnético capaz de guiá-las em suas migrações; morcegos equipados com sonares para voar pela escuridão; peixes que emitem campos elétricos para se situar e sobreviver…
A lista continua, com exemplos tão ou mais fascinantes, em Um Mundo Imenso, livro do jornalista britânico-americano nascido na Malásia Ed Yong, publicado pela Editora Todavia. Se coubesse a mim dar o prêmio de melhor obra de divulgação científica lançada neste ano no Brasil, seria a minha escolha.
Yong assina um trabalho de fôlego e, ao mesmo tempo, de carpintaria. Mergulha nos detalhes de inúmeras pesquisas de campo e laboratório, conversa com dezenas de estudiosos tão apaixonados quanto ele, roda o planeta e transforma esse vasto material bruto em uma narrativa didática e aprofundada.
Em mais de 500 páginas, somos convidados a conhecer os diversos e incríveis sentidos dos animais. Uma jornada que se ancora no rigor da explicação científica e minuciosa, sem com isso perder a poesia.
Um Mundo Imenso
Sua obra parte de um conceito criado pelo biólogo alemão de origem estoniana Jacob von Uexküll no início do século XX. Conceito sintetizado numa palavrinha alemã de difícil tradução, o Umwelt. Em resumo, é o modo como qualquer ser vivo capta, percebe e interpreta o universo à sua volta.
Cada bicho tem seu Umwelt, lançando mão dos seus sentidos e particularidades fisiológicas para enxergar, cheirar, ouvir (…) ou ecolocalizar o mundo. E há cientistas que dedicam uma vida inteira a tentar decifrar como uma espécie assimila o ambiente ao seu redor e a imaginar o resultado disso sob o “ponto de vista” dessa criatura.
O mérito de Yong está em dar voz a esses pesquisadores e aos animais que eles estudam (com direito a muitos bastidores). Está em mostrar que o mundo é ainda maior (e mais complexo) do que pensávamos se levarmos em conta outras formas de senti-lo – e a nossa percepção não é melhor nem pior que as outras.
Está em detalhar capacidades únicas e surpreendentes – seja em um minúsculo crustáceo, seja em uma gigantesca baleia. Está, finalmente, em alertar para outro efeito colateral das transformações que o homem desencadeia na Terra: ao poluí-la com luz, som, calor e sujeira, nossa espécie está bagunçando (e arruinando) a vida sensorial das outras.
Com a palavra, o autor.
Entre tantas criaturas e sentidos impressionantes que você descreve no livro, há algum animal que particularmente o cativou durante sua pesquisa?
Adoro os animais cujos mundos sensoriais são mais difíceis de imaginar, como o camarão-louva-a-deus com a sua forma única de visão colorida, o sentido magnético que os pássaros e as tartarugas-marinhas usam para guiar suas migrações ou o sonar que os morcegos utilizam para capturar insetos voadores em meio à escuridão total.
Por que é tão importante que os seres humanos reconheçam e respeitem os sentidos (ou os Umwelten) das outras espécies?
A nossa percepção do mundo é chocantemente limitada, e a única forma de compreender o que perdemos é pensar nas vidas e nas experiências das criaturas com quem compartilhamos o planeta.
Quando você olha para o impacto do homem no meio ambiente, qual é a situação mais urgente que vem à sua cabeça por afetar os sentidos dos animais?
Inundamos a escuridão com luz e o silêncio com barulho. Essas formas de poluição sensorial podem não parecer poluição para nós, mas podem ser imensamente prejudiciais para outros animais.