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Walter Benjamin: o homem que expôs o lado obscuro do progresso

Abrindo série sobre pensadores, um convite a conhecer as ideias do filósofo alemão, que voltam a circular em livros recém-lançados no país

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 20h09 - Publicado em 13 nov 2023, 07h36
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  • As guerras e as mudanças climáticas, duas das pautas globais mais urgentes hoje, são a maior advertência de que o progresso a qualquer preço tem um triste custo social. Se as inovações tecnológicas não raro refletem uma faca de dois gumes, o futuro, como o século XX havia de deixar claro, não seria uma utopia.

    Essa crítica visionária à noção e à ideologia do progresso ganhou corpo com um intelectual alemão de origem judia que viria a ser uma das mentes mais influentes na filosofia contemporânea – e também uma das vítimas da ascensão nazista. Walter Benjamin.

    Um sujeito que, debruçando-se sobre a arte, a história e as formas de comunicação e consumo, colocou a filosofia nas ruas, questionou o pensamento de esquerda, iluminou o perigo de uma direita radical e ponderou sobre os motivos e as repercussões do progresso capitalista.

    Benjamin é o padrinho espiritual de toda uma corrente de filósofos, sociólogos e críticos, com destaque para os expoentes da Escola de Frankfurt. Inovou nas ideias e na forma de expressá-las, como fica evidente na nova edição de Rua de Mão Única, publicada pela Editora 34.

    Organizado por Jeanne Marie Gagnebin, professora titular de filosofia da PUC-SP, o volume ganha um esclarecedor prefácio e resenhas assinadas por figurões da referida Escola, como Theodor Adorno, Ernst Bloch e Siegfried Krakauer.

    Também traz textos de Asja Lacis, a diretora de teatro de berço letão por quem Benjamin se apaixonou e à qual dedica a obra – uma mulher que influenciou seu jeito de enxergar aquele mundo em transformação.

    Rua de Mão Única

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    Em Rua de Mão Única, somos convidados a atravessar um itinerário fragmentado de observações e pensatas, ou “imagens de pensamento”, como seriam chamadas depois. A filosofia deixa o etéreo e anda nas calçadas. Literal e metaforicamente.

    Benjamin nos deixa, nesse e em outros livros, “interrogações que nos ajudam a questionar e pensar o presente”, nas palavras da professora Jeanne, um dos maiores nomes no autor no Brasil. Sobretudo essa concepção de um progresso predatório, que destrói em seu rolo compressor o ser humano e a natureza.

    Na mesma fornada, a Editora 34 lança Experiência e Pobreza – Walter Benjamin em Ibiza, 1932-1933, um ensaio até então inédito em português do escritor Vicente Valero (nascido em Ibiza!) que recupera a passagem do alemão pela ilha espanhola.

    A temporada ali, com seus encontros e desencontros, aguça os sentidos do pensador, que irá comparar a existência sob uma economia de subsistência, algo mais comum no sul europeu, com a pujança técnica e financeira do norte – a mesma que insuflará uma vida escorada no consumo e nutrirá o embrião totalitário.

    Experiência e Pobreza

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    Entre tantos textos de Benjamin, esparsos ou reunidos, a professora Jeanne recomenda, a título de entrada em seu universo conceitual e meditativo, a obra Infância em Berlim por volta de 1900, que contempla as “descrições de uma infância privilegiada por um exilado no limiar da pobreza, que sabe que não vai poder retornar à cidade natal”.

    É uma introdução, ainda segundo a especialista, à reflexão sobre “os imbricamentos complexos do presente e do passado, sobre a necessidade de saber esquecer para melhor lembrar”. Um tema que é destilado e aprofundado em outro livro inescapável do filósofo, Sobre o Conceito de História.

    Com a palavra, a professora Jeanne Marie Gagnebin.

    Entre tantas ideias, reflexões e influências no pensamento ocidental que perduram até hoje, qual seria a mensagem mais atual (e urgente) na obra de Walter Benjamin?

    Eu talvez não dissesse que Walter Benjamin nos deixou uma “mensagem”, mas muitas interrogações que nos ajudam a questionar e pensar o presente. O questionamento essencial, formulado com clareza no seu último texto, as conhecidas teses Sobre o Conceito de História, diz respeito à nossa concepção de história e de escrita da história, a historiografia. Trata-se, para Benjamin, de pensar e escrever uma história que lembra e defende os oprimidos, mas que não pressupõe, como geralmente se afirma na historiografia de esquerda, que há um “progresso” automático no desenvolvimento da luta de classes e também no avanço tecnológico.

    Essa crítica à “ideologia do progresso”, como ele diz, está ligada à sua tentativa de entender as causas da derrota dos diversos partidos de esquerda, durante a República de Weimar [período da história da Alemanha entre 1918 e 1933], contra a ascensão do fascismo. Em outras palavras: como lutar contra a injustiça e resistir ao fascismo sem ter nenhuma segurança de vitória final, mas por necessidade ética e política.

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    Benjamin vai até criticar a concepção do progresso como uma exploração cada vez maior das forças da natureza, defendendo uma concepção “ecológica”, isto é, contrária ao modelo do capitalismo predatório. Não preciso dizer quanto essa concepção pode interessar às diversas lutas do povo brasileiro.

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    A professora de filosofia da PUC-SP Jeanne Marie Gagnebin (Foto: Yuri Tavares/Reprodução)

    Em Rua de Mão Única, como destacado no seu prefácio, há também uma inovação na forma de filosofar. Crônica, imagem de pensamento, aforismo… Qual o papel dessa ruptura formal no trajeto e nos escritos do autor e de seus seguidores?

    Sempre houve várias maneiras, vários estilos de filosofar. Dos “diálogos” de Platão aos “ensaios” ou às “meditações”, passando por “confissões”. Walter Benjamin não é o primeiro filósofo a inovar na forma de filosofia e no estilo filosófico. Antes dele, Nietzsche também inovou profundamente e escreveu de modos muito diferentes entre si e em relação à tradição cartesiana.

    Essa liberdade estilística – com metáforas e imagens de pensamento – assinala uma profunda desconfiança, depois do monumento hegeliano [referência ao filósofo alemão Hegel], em relação ao ideal de sistema, como se o pensamento filosófico pudesse construir um edifício coerente e exaustivo para dizer o mundo. Não se trata de irracionalismo, mas de reconhecer os limites de uma racionalidade que se esgota na dedução e, portanto, procurar por outras formas de apreensão, uma apreensão sensível e histórica do mundo, ainda não absoluta.

    O pensamento, segundo Benjamin, se abre à descontinuidade e à multiplicidade do real que ele pode tentar dizer sem ter a pretensão de esgotá-lo. Num mundo em estilhaços e em ruínas – como o que segue à Primeira Guerra Mundial –, construir um sistema coeso e fechado sobre si mesmo beira o orgulho e, ao mesmo tempo, a ingenuidade.

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    Ousar encarar os cacos, as ruínas, os restos de muros e de casas, o labirinto das ruas também significa algo precioso: que dentro dessa “desordem” talvez possa surgir algo imprevisto, um sinal de resistência ou de indignação, um grafitti que fala de outro mundo, um palco improvisado para uma canção, a invenção de um espaço de encontro ou de jogo. Em suma, sinais de esperança e de alegria com os quais não tínhamos contado, mas que nos interpelam. Uma disponibilidade, aliás, que os escritores surrealistas já praticavam.

    Se por trás de um grande homem há uma grande mulher, qual o impacto da diretora de teatro Asja Lacis, pela qual Benjamin se apaixonou, na concepção de mundo e na produção do autor?

    Mesmo havendo muitas vezes uma grande mulher atrás de um grande homem, essas mulheres em geral ficam desconhecidas. Ninguém se lembra nem do nome delas. Asja Lacis, pelo contrário, é não só presente, mas também homenageada por Benjamin. A dedicatória é clara:

    “Esta rua chama-se Rua Asja Lacis, em homenagem àquela que, na qualidade de engenheiro, a rasgou dentro do autor”

    Bela dedicatória, nada sentimental, como são geralmente as dedicatórias de autores homens às suas mulheres invisíveis, mas uma frase potente e vibrante. Os amigos de Benjamin não gostaram dela e tentaram apagar sua força. Mas Asja Lacis não se deixou apagar: foi, sem dúvida, uma mulher inteligente, vital, corajosa, bela também, que apresentou a Benjamin uma forma de engajamento ao mesmo tempo apaixonado e artístico.

    Ela não “converteu” Benjamin ao marxismo, mas, ao descrever o teatro de crianças de rua, geralmente órfãs da Primeira Guerra, que Asja tinha fundado, testemunhava um engajamento não necessariamente partidário, algo profundamente popular e inventivo, transformando as tarefas da atividade artística.

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    Graças a ela, Benjamin, que já estava cansado da tradição laudatória acadêmica – ver, por exemplo, seu texto sobre As Afinidades Eletivas de Goethe -, se encaminhou para uma reflexão filosófica e estética muito mais engajada e profundamente política. Asja Lacis também apresentou Walter Benjamin a Bertold Brecht [dramaturgo alemão], encontro que resultou numa amizade cheia de discussões e de confrontos e, por isso, profunda e produtiva.

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