Em educação, o Brasil consegue ser duplamente atrasado: ao discutir tardiamente se o uso de celular deve ser tolerado como meio de comunicação dos alunos durante as aulas; e ao ignorar tardiamente a função dos aparelhos como ferramenta pedagógica. Há tempos já deveríamos ter proibido o uso como divertimento e já era tempo de estarmos incentivando o smartphone para facilitar o aprendizado. O celular em sala de aula tem provocado retrocesso no desempenho dos alunos, mas fechamos os olhos a essa prática; tanto quanto durante a epidemia de covid-19 relevamos o longo período das escolas fechadas; e há décadas fechamos os olhos às perdas decorrentes dos repetidos e longos períodos de greves de professores e demais servidores nas redes públicas de educação.
Da mesma forma, é prova de atraso a demora dos educadores em utilizar o celular como instrumento pedagógico, sob coordenação de professores, na evolução da tradicional e antiga prática da “aula teatral” — professor, lousa e alunos juntos — para a moderna “aula cinematográfica”, usando os muitos recursos de técnicas audiovisuais, de forma presencial ou remota. Devido ao conservadorismo técnico dos educadores, o Brasil continua atrasado na adoção das modernas ferramentas de educação, e devido ao conservadorismo político ainda não se prioriza educação. O celular, enfim, deve ser proibido como meio de comunicação e lazer na sala de aula e ser obrigatório como ferramenta de estudo, como ocorre em alguns países atentos ao problema e com sobejos bons resultados.
“É preciso sair da antiga e tradicional prática da ‘aula teatral’ para a ‘aula cinematográfica’ ”
Outro atraso duplo decorre da resistência ao uso de educação à distância pelos defensores do ensino presencial e da resistência dos defensores dessa modalidade de olho no olho ao uso de novas técnicas. Dito de outro modo: há um grupo exageradamente atrelado ao passado, de olhos fechados para as inovações. Insista-se: deve-se abrir caminho para que as “aulas teatrais”, que tanto sucesso fizeram, em outro momento histórico, possam agora ser transformadas em “aulas cinematográficas”, mais lúdicas e nem por isso menos educativas.
É impossível barrar a preferência e vantagens do ensino por meios remotos, mas a maior parte dos que defendem essa modalidade não percebe que ela exige uma nova linguagem, utilizando novos recursos tecnológicos. Em vez de exigir que as aulas utilizem as novas tecnologias, o MEC decidiu impedir o avanço do uso do ensino remoto, obrigando uma percentagem mínima de aula presencial em cada curso. É como se, há 100 anos, um ministério da cultura exigisse que o frequentador passasse uma hora no teatro para cada hora em sala de cinema. No outro lado, os defensores da modalidade remota querem cursos não presenciais apenas transmitindo as aulas tradicionais, teatrais. No passado, foi impossível barrar a arte dramática de evoluir do teatro para o cinema, mas para se justificar o cinema deixou de ser teatro e se fez uma nova arte. A educação à distância não deve ser apenas transmitida, ela requer uma nova pedagogia adaptada ao novo estilo. Mas temos preferido o duplo atraso: limitar o tempo em aula remota e não adaptar o remoto com o uso das novas tecnologias.
No lugar da busca de universalização e eficiência pedagógica, preferimos, de modo triste, os atrasos.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915