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Crônicas de Peso

Por Cid Pitombo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
O cirurgião bariátrico e pesquisador na área de obesidade Cid Pitombo reflete, em seus textos, sobre alimentação, movimento, ganho... e perda de peso
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O médico e o aeroporto: uma vida dedicada ao desafio da obesidade

Em estreia como colunista de VEJA, especialista conta trajetória diante de um dos maiores problemas de saúde pública do século

Por Cid Pitombo
23 set 2024, 08h00
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  • O ano é 2005. Com uma mochila nas costas e uma pequena mala em mãos, eu procurava informações no aeroporto de Nova Délhi, a capital da Índia. Por incrível que pareça, ninguém falava inglês. Como o aeroporto tem administração militar, busquei um oficial e consegui tirar minhas dúvidas. Cheguei ao hotel e, no dia seguinte, fui para a cidade de Puna.

    O que eu fazia por lá? Havia sido convidado a dar aulas e realizar cirurgias bariátricas, popularmente chamadas de operações de redução do estômago, diante dos profissionais de lá. Com a obesidade ganhando escala, o mundo se abria a essa nova terapia – e, naquela época, poucos médicos tinham o treinamento para executá-la.

    Foi a minha primeira viagem para a Índia. Depois voltei a Mumbai, Calcutá, Nova Déhli mais uma vez. Eram anos diferentes e impensáveis. Viajava pelo mundo ensinando. Eu, um orgulhoso e jovem cirurgião brasileiro, operava sempre com um gorro com a bandeira do país e, ao final dos procedimentos, assistia à disputa para ver quem ficava com o “troféu”.

    A experiência me levou a entender melhor o seríssimo problema chamado obesidade. Como um país de hábitos vegetarianos como a Índia, com enorme degrau de renda, tinha tantos obesos mórbidos? A resposta estava nos supermercados evidenciando uma nova tendência alimentar: os produtos industrializados e ultraprocessados.

    Populações de baixa renda buscavam (e ainda buscam) biscoitos, refrigerantes e macarrões instantâneos como fontes de comida barata e não perecível e desconhecem as consequências dessa escolha até ficarem acima do peso ou com alguma doença. Entre os indianos, aliás, existem aqueles cuja composição corporal é naturalmente magra e, ao encarar o aumento de peso, já padecem com consequências metabólicas, principalmente o diabetes.

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    As viagens continuaram. Voar por esse mundo e entender o que estava acontecendo era algo que não podia deixar parar. As próximas paradas foram Costa Rica e México. Países tão próximos, mas bem diferentes. Assim como na Índia, o México enfrentava uma robusta mudança de hábito alimentar, com a população acumulando gordura, especialmente no abdômen, e ficando refém do diabetes. E a faixa mais afetada era justamente a de baixa renda.

    E aí conectei os pontos, porque fenômeno semelhante ocorria no meu país. A doença metabólica que me levava a viajar por tantos destinos também era uma realidade no Brasil. Uma doença que, após a cirurgia bariátrica e a perda expressiva de peso, podia desaparecer.

    Essa era a época do meu doutorado. No laboratório da Unicamp, realizava as minhas pesquisas na área de obesidade, trabalho que segue adiante até hoje. No mesmo período, fui convidado, junto a outros seis médicos do mundo, para um encontro secreto em Estrasburgo, na França. Iniciava-se a discussão sobre a possibilidade de solucionar o problema dos diabéticos por métodos cirúrgicos.

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    Em 2008, assinei com uma das maiores editoras de livros do planeta, a Mc Graw-Hill de Nova York, o contrato para o livro Obesity Surgery: principle and practice. Eu, um brasileiro, seria o editor-chefe de um guia médico de alcance global, reunindo com os maiores nomes desse campo que ganhava fôlego, a cirurgia da obesidade. 

    Novamente voltei aos aeroportos: França, Portugal, Holanda, Bélgica, Estados Unidos e diversas cidades do Brasil. Entre médicos e pacientes, muita gente queria escutar e aprender um pouco mais. A rotina entre voos, hotéis, hospitais e universidades era intensa, mas a vontade de fazer a diferença pelo mundo era maior. No momento, tinha dúvida se ficar no Brasil seria a decisão mais acertada.

    Em 2010, decidi ficar e ajudar. Iniciei um programa público no Rio de Janeiro que, durante dez anos, beneficiou mais de 6 000 pessoas com obesidade grave. Operei, somente nesse projeto, 3 500 cidadãos de baixa renda. Não fosse essa ação, muitos deles nem estariam aqui para ler esta história. Era gratificante ver o tratamento que esses pacientes me davam ao terem tido a oportunidade de serem operados por mim.

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    Muitas vezes, me senti só caminhando pelos corredores dos aeroportos. Porém, nos corredores do hospital público, eu mal conseguia caminhar. Era lá que todo o bem que eu tinha feito àqueles pacientes com obesidade voltava em dobro para mim e me dava a certeza de que eu tinha que ficar e continuar.

    O programa no Rio findou, mas por aqui ainda estou… E, quando achava que, finalmente, pararia no Rio de Janeiro, cidade onde tudo começou para mim, o aeroporto novamente me chamou. Fui convidado operar regularmente em São Paulo. Hoje, permaneço horas dentro do avião, mas satisfeito e feliz de ter ficado no meu país do coração. Porém, sempre pronto para viajar o mundo a fim de construir pontes e soluções diante dessa desafiadora pandemia de obesidade.

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