Superobesos: não podemos deixar esse drama oculto
Obesidade extrema é condição 'invisível' na sociedade. Pacientes acabam excluídos e deixam de receber o suporte adequado ao tratamento
Hoje falamos bastante de obesidade, mas ainda raramente tocamos na vida e nos desafios dos que chamamos de superobesos. São milhões de pessoas com grau severo de obesidade, muitas delas excluídas do convívio social, isoladas em quartos, porões e barracos pelo mundo. E qual é a diferença? Na obesidade extrema, o indivíduo está tão acima do peso que se torna incapacitado para uma rotina com autonomia e autocuidado, comprometendo seu bem-estar físico e psíquico.
Teoricamente, nós, seres humanos, temos um poder incrível de acumular gordura. Poderíamos pesar meia ou uma tonelada, mas obviamente morreríamos precocemente devido às doenças associadas a essa condição.
Nesse sentido, é importante falar também dessa obesidade que está muitas vezes oculta dos nossos olhos e das discussões. Ainda que não saibamos com exatidão tudo que leva alguém a se tornar um superobeso, fato é que os efeitos do excesso de gordura no corpo e na mente são diferentes quando o paciente chega a ter 200, 300 kg.
Antes de mais nada, é preciso ficar claro que estamos lidando com uma doença. Falhas no organismo, ainda não totalmente compreendidas por nós, médicos, levam a mais fome, menos saciedade e maior absorção de nutrientes e acúmulo de gordura.
Imaginemos o dia de uma personagem fictícia portadora de superobesidade. Amanheceu, e ela tem que se levantar, algo simples para quem não pesa tanto assim. A noite foi ruim, pois a dificuldade para respirar e se mexer na cama a acompanhou por toda a madrugada. Já nas primeiras horas do dia, encontra as adversidades para executar os mais simples movimentos: se virar, levantar o corpo e ficar de pé. Precisa de ajuda.
Não consegue calçar os chinelos, pois os pés estão muito inchados e mal os enxerga. Quer ir ao banheiro. E as coisas vão ficando cada vez mais difíceis. Se cansa até chegar lá. Por conta do excesso de gordura debaixo do braço, ele está mais curto. O abdômen extremamente volumoso a impossibilita de ver e tocar suas partes íntimas para fazer a higiene pessoal. Mais uma vez, precisa de ajuda.
A dificuldade é tanta que decide entrar no banho. Mas, depois de terminado, como se enxugar? Só é possível secar o que alcança. Mal termina de se vestir, já está suando, pois a troca de calor para ela é mais complicada.
Chega a hora de tomar o café da manhã, que vem acompanhado dos remédios de pressão, diabetes e coração. O dia mal começou e ela está fadigada. Não pode se esquecer da massagem nas pernas e dos hidratantes de pele, imprescindíveis para a parte circulatória. Primeira etapa do dia vencida.
Agora vai começar a trabalhar. É home office, pois não tem condições de dirigir ou andar de transporte público para chegar aonde quer que seja. Passa o tempo todo sentada, já que o simples fato de levantar é uma tarefa pesada.
É necessário que o frigobar e o micro-ondas fiquem bem perto da mesa de trabalho, facilitando os momentos das refeições. As poucas vezes que precisa levantar para ir ao banheiro já demandam um extremo esforço. É uma mulher e esta no período menstrual. Se envergonha por precisar de alguém para ajudá-la em um momento tão íntimo.
Não tem tempo para se incomodar com sua aparência estética. Está muito mais preocupada com a sua limitação em se tocar, seja para fazer higiene ou apenas se sentir. A cabeça ainda está boa, mas está começando a perder a luta com um corpo que não compreende. Pior: nem as pessoas e nem os médicos a entendem.
Em um mundo conectado, onde saúde, estética e sexualidade afloram por todos os lados, não ter domínio do seu prazer ou da sua própria higiene tornam-se os piores efeitos dessa doença. A incompreensão, o preconceito e falta de conhecimento a isolam ainda mais. Porque. na verdade, além dela, a própria sociedade, de uma forma ou de outra, evita tocá-la.
Mas precisamos mudar isso.