O escocês Niall Ferguson é um dos mais festejados historiadores da atualidade. Entre suas várias obras de fôlego está Civilização: Ocidente X Oriente. Nós nos acostumamos a pensar no Ocidente como a parte do mundo que se notabilizou pelo desenvolvimento. Muitos podem torcer o nariz, mas não há como negar que boa parte dos grandes avanços do mundo ocorreram por aqui. Mas nem sempre foi assim. Se fizéssemos uma volta ao mundo no século XV, veríamos a Europa devastada pela peste. Do outro lado, os otomanos estariam tomando Constantinopla e a dinastia Ming, na China, estaria em sua melhor forma. Pouco antes disso, no século XII, assistiríamos o mundo sendo dominado pelo Império Mongol.
Então, se antes era assim, o que aconteceu? Para Niall Ferguson, o Ocidente virou o jogo com o que ele chamou de “aplicativos”, a saber: competição, ciência, propriedade privada, medicina, consumo e trabalho. O autor explora cada um com maestria em sua perspectiva histórica. Contudo, embora não seja uma conclusão expressa de Niall, o que me chama a atenção é a conexão desses “aplicativos” e como a ciência está de algum modo presente nos demais.
O Brasil não é muito dado à ciência e o incentivo à inovação tecnológica não está na lista de prioridades, tanto deste governo, como dos anteriores. Ao menos é o que denunciam os dados que estão por trás da Lei n. 11.196/2005, a chamada Lei do Bem, que é (ou pelo menos se propõe a ser) o principal fomento à pesquisa no país.
Vamos começar pela contextualização da Lei do Bem. A empresa que der cabo de projetos inovadores poderá submetê-los à apreciação do Ministério de Ciência e Tecnologia – MCTI. Se aprovados, os gastos geram benefícios fiscais que reduzem expressivamente o imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social sobre o lucro (CSSL) devidos pela empresa. Há casos em que os ônus fiscais foram até mesmo zerados.
Mas os relatórios do MCTI dão conta de que os benefícios da Lei do Bem não estão verdadeiramente impulsionando a inovação tecnológica no país. Em 2006, primeiro ano de vigência da Lei do Bem, apenas 130 empresas solicitaram os benefícios vinculados a pesquisa e desenvolvimento. Em 2022 o número de adeptos cresceu para 3.493. O salto parece ser grande. No entanto, considerando que o país conta com cerca de 20 milhões de pessoas jurídicas, a verdade é que apenas 0,02% das empresas brasileiras se dedicaram à inovação tecnológica.
A falta de apetite em inovar pode ser explicada pela abrangência restrita da Lei do Bem. De acordo com a legislação, os benefícios fiscais estão à mão apenas de contribuintes que apuram seu IRPJ pelo lucro real, o que representa 2,2% do total das empresas. Além disso, as empresas desse seleto grupo não podem estar com as contas no vermelho, porque um dos requisitos legais é que o contribuinte apure lucro. Ou seja, mais de 98% das pessoas jurídicas do país, que estão no Simples, no regime do lucro presumido ou que apuram prejuízo, são ignoradas pela legislação.
Algo precisa ser feito. Lembremos que a Lei do Bem é de 2005 e o mundo era outro. Naquele tempo, os baby boomers estavam no auge de sua capacidade produtiva e a Geração X começava a entrar no mercado de trabalho. Computadores pareciam monstrengos, eram caros e a internet de muitos ainda era pelo acesso discado. Também faziam parte daquela realidade softwares pesados, ferramentas de buscas muito imprecisas e smartphones conectados à internet era coisa de ficção científica. Aliás, a palavra smartphone nem existia. Nesse contexto, o padrão do mercado, da esmagadora maioria das pessoas, era buscar empregos em médias e grandes empresas, porque lá estavam o capital financeiro e intelectual para os grandes projetos e carreiras longevas.
Mas o mundo de 2024 é bem diferente. As gerações Y e Z são de pessoas extremamente conectadas, empreendedoras digitais que não têm os padrões de pensamento das gerações anteriores e não querem fazer parte de corporações. Nasceram cercadas por dispositivos eletrônicos, aprenderam a falar, pensar e agir com gadgets e têm facilidade natural para desenvolver projetos e criar tecnologias. São essas pessoas que estão se lançando no mercado como empreendedores. Não por acaso, o número de empresas no Brasil cresce a cada ano. São elas que formam startups, atualmente no Simples ou no lucro presumido, e que deveriam ter acesso aos benefícios da Lei do Bem para baratear o custo da inovação, ampliando-a.
No Congresso, o senador Izalca Lucas (PSDB/DF) apresentou o Projeto de Lei (PL) n. 2.838/2020, exatamente com a intenção de trazer as pequenas empresas ao seio dos benefícios fiscais da inovação. No curso do processo legislativo, outros projetos foram apresentados como substitutivos, que agora correm conjuntamente e estão prontos para análise da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado desde 18 de junho de 2024.
O tema é urgente, mas não recebe a devida atenção. A comunidade jurídica e boa parte do Parlamento está tomada pelos debates em torno da reforma da tributação sobre o consumo, já bastante avançada, e do rearranjo da tributação sobre a renda que virá em pouco tempo.
Uma alternativa é colocar os incentivos à inovação dentro das reformas. Seria possível discutir não apenas a ampliação das empresas que podem receber os benefícios, mas também outras pautas que cedo ou tarde deverão ser enfrentadas. Por exemplo, os veículos automotores foram incluídos no Imposto Seletivo, mas podem ter a carga diminuída se forem cumpridas certas metas de sustentabilidade, o que por certo virá com pesquisa e desenvolvimento. O mesmo pode ser feito a outros setores, à exemplo da mineração ou mesmo das bebidas açucaradas. Por que não pensar em excluir esses segmentos da tributação agravada do Imposto Seletivo se, mediante inovação tecnológica, for possível reduzir danos ambientais ou à saúde?
A inovação tecnológica impulsiona a economia dos países que a tomam como prioridade. Basta ver, entre os países ditos desenvolvidos, que nenhum deles montou sua economia sobre o comércio de commodities, ou em indústrias ultrapassadas ou mesmo na exportação de produtos primários e importação demasiada de produtos industrializados.
A história sempre entrega lições. Impérios aparentemente eternos sempre caíram. Romanos, bizantinos, otomanos ou mongóis, nenhum resistiu ao tempo. Talvez seus tamanhos e suas importâncias os tenham seduzido, e os levaram a crer que tudo estava feito. Ideologias também seduzem e arruínam. Quase mil anos de história nos dizem que o pragmatismo é vencedor e que a inovação é a força motriz do progresso. Então, por que não inovar com os incentivos fiscais à inovação?