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De olho nos tributos

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Dados e análises sobre os impostos e seu efeito na economia
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A taxação dos bilionários e a Revolta de Atlas

A história mostra que não será fácil chegar a um consenso global para instituir uma tributação universal para os super-ricos

Por Adolpho Bergamini
Atualizado em 2 ago 2024, 11h57 - Publicado em 1 ago 2024, 11h53
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  • O mundo da literatura foi marcado por grandes obras de autores geniais. Fiódor Dostoiévski, Machado de Assis, Ken Follet, George Orwell, José Saramago e Liev Tolstói estão na lista de muitos, mas Ayn Rand e seu majestoso A Revolta de Atlas não podem ficar de fora. A obra é frequentemente mencionada como uma das mais influentes dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da Bíblia, e se passa em uma realidade distópica em que os países, as chamadas “Repúblicas Populares”, são governados por líderes progressistas. Medidas populistas, arbitrariedades, burocracia, corrupção e leis manipuladas servem de instrumentos para o governo avançar sobre as empresas. Para manter poder e influência, o Estado intervém cada vez mais em seus negócios, e políticos e amigos incompetentes de governantes são nomeados para gerir a economia do país.

    O título traduz o sentimento que vai tomando conta de personagens como Dagny Taggart, Hank Rearden e Francisco d´Anconia. Mas, à medida que o peso do mundo vai ficando insustentável, empresários começam a sumir e a gerência de suas empresas fica entregue ao governo. Acidentes e desabastecimento não tardam a acontecer e o caos toma conta da sociedade. Na obra, perguntas sem respostas são retrucadas com outra pergunta, “Quem é John Galt?”, o que fará todo sentido no desenvolvimento da leitura. John Galt é o mentor do desaparecimento das personalidades, levando-as a uma comunidade construída no interior que é baseada no livre mercado, no esforço e no mérito de cada um. Ao final, todos retornam e reconstroem o país segundo seus valores. Se John Galt antes era uma pergunta, passou a ser uma resposta e a afirmação de que o capitalismo e o funcionamento dos mercados são os motores da prosperidade. Não há riqueza sem geração de riqueza.

    O tema de A Revolta de Atlas não poderia ser mais atual, porque as notícias que circularam nos últimos dias dão conta de que os países do G20 são favoráveis à criação de um imposto global sobre lucros de bilionários e super-ricos. De acordo com as informações, a alíquota seria de 2% e a arrecadação de 250 bilhões de dólares por ano, que poderiam ser utilizados no combate à fome e na redução das desigualdades.

    A ideia não é nova. No mundo, as discussões em torno da tributação dos chamados super-ricos sempre estiveram nas mesas de debates de autoridades fiscais e os motivos são sedutores. Afinal, quem será contra o combate à fome e à pobreza? E quem dirá que bilionários não devam contribuir mais para isso?

    Mas as tentativas feitas até hoje não funcionaram. Estudos demonstram que, desde a década de 1990, dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, 12 instituíram imposto sobre grandes fortunas, mas apenas Espanha, Noruega e Suíça o mantiveram. Os custos incorridos com a fiscalização se mostraram demasiadamente altos frente ao retorno fiscal obtido. Ficou claro que, se existirem tratamentos tributários diferenciados, o contribuinte poderá mudar seu domicílio para outro país, evitando, assim, o encargo fiscal adicional.

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    A novidade, agora, é a proposta capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para que a taxação seja global. Se a medida passar, mudanças de endereços não impedirão a cobrança do imposto. Mas, ao fim do encontro, o G20 sinalizou apenas que haverá cooperação entre países para taxar os bilionários, sem consenso quanto a sua efetiva criação. França, Brasil, África do Sul, Espanha e União Africana foram favoráveis ao imposto global, mas Estados Unidos, Alemanha e outros países da União Europeia o rejeitaram porque, segundo eles, a imposição de tributos é parte da soberania das nações e não pode sofrer interferência externa.

    A história mostra que não será fácil instituir uma tributação universal, porque convencer os envolvidos pode tomar tempo. Por exemplo, desde 2015 a OCDE trabalha na formulação de programas para impedir a “Erosão de Bases e Transferência de Lucros” – BEPS, na sigla em inglês, mas somente em 2021 o G20 concordou em implementar duas das iniciativas, o Pillar 1 e o Pillar 2, cujo propósito é fazer, a partir de 2024, com que grupos multinacionais com receitas superiores a 750 milhões de euros recolham, pelo menos, 15% de imposto de renda nas jurisdições em que atuam. A princípio as empresas brasileiras não serão afetadas porque, aqui, o imposto de renda pago por elas pode chegar a 25%, sem contar os 9% da CSLL, que também incide sobre o lucro. Mas poderão ser submetidas às novas regras caso aufiram receitas em países com alíquotas de IR menores do que 15%. Seja lá como for, o fato demonstra que regras sobre tributação internacional coordenada não são implementadas da noite para o dia.

    A pretendida taxação dos super-ricos tende a seguir o mesmo caminho. Especialmente no Brasil, a cobrança pode enfrentar questionamentos jurídicos, a depender de como for formatada. Podem surgir questionamentos a respeito da inexistência, na Constituição Federal, de um tributo federal sobre patrimônio, ou mesmo em relação à natureza da renda tributada – remuneração ou dividendos. Reflexões como essas só poderão ser feitas quando o projeto for apresentado.

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    Mas é bem possível que os maiores questionamentos sejam de ordem política. Os países da OCDE tendem a retornar serviços públicos de maior qualidade aos seus contribuintes e as despesas públicas não contam com os gastos revoltantes verificados no Brasil. As máquinas públicas mundo a fora não são infladas, não há incrementos salariais a servidores públicos apenas pelo tempo, como quinquênio ou sexta parte, e sua permanência no serviço público está condicionado ao mérito. Autoridades não ganham fortunas além do teto constitucional na forma de “penduricalhos”, não fazem viagens em aeronaves da força aérea, mas sim em voos de carreira, não são remuneradas quando em viagens estranhas à função, como aulas e conferências no exterior, e não existem cartões corporativos secretos. Não existe financiamento público para obras em países de ditaduras amigas, tampouco orçamento secreto. Os benefícios sociais são concedidos com parcimônia e há fiscalização rigorosa sobre eles. Não se tem notícias de corrupção que não tenha sido exemplarmente punida, nem de aquisições de refinarias sucateadas ou outros bens imprestáveis.

    Lá, diferentemente daqui, os governos não revogam benefícios na calada da noite e não movimentam seus recursos e influências para aprovar uma reforma tributária que nos dará o maior IVA do mundo. Também não existem tantos tributos declarados inconstitucionais, cobrados indevidamente, e a segurança jurídica é primado inviolável, especialmente nas relações tributárias.

    Portanto, o grande problema está no país, que já tem uma das maiores cargas tributárias do mundo e que ficará ainda maior com a CBS e o IBS, que gasta mal seus recursos, está sempre envolvido em escândalos e vê os empresários, os ricos, o “andar de cima”, com maus olhos, mesmo sendo eles os fomentadores de renda e emprego. Do ponto de vista moral, bilionários e super-ricos não necessariamente se opõem a contribuir mais ao combate à fome e à pobreza, mesmo porque muitos já são engajados em filantropia e em causas sociais. O receio está em colocar o dinheiro nas mãos do Estado, porque esses recursos podem servir ao financiamento de uma máquina pública ineficiente, ou fazer parte do próximo escândalo de corrupção.

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    E aí voltamos para A Revolta de Atlas, que é marcado por diálogos impressionantes. Em um deles, Francisco D´Aconia resume o sentimento nacional ao dizer que “quando para produzir é necessário pedir permissão a homens que nada produzem – quando o dinheiro flui para aqueles que não vendem produtos, mas têm influência -, quando os homens enriquecem mais pelo suborno e pelos favores do que pelo trabalho, e as leis não protegem quem produz de quem rouba, mas quem rouba de quem produz – quando a corrupção é recompensada e a honestidade vira um sacrifício -, pode ter certeza de que a sociedade está condenada”.

    Na mitologia grega, Atlas era o titã que recebeu de Zeus o castigo de carregar o peso do mundo nas costas. Não por acaso a obra recebeu o título, mas foi mal traduzido para o português. Em inglês é chamada Atlas Shrugged e o seu significado está claro no diálogo entre Francisco D’Anconia e Hank Rearden. Francisco pergunta a Hank qual conselho daria a Atlas, o titã, se o mundo ficar cada vez mais pesado nos ombros. Hank não soube responder, então D’Anconia dá a sua resposta: “encolher os ombros” (to shrug). Torçamos para que os bilionários e super-ricos não sumam, nem encolham seus ombros.

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