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De olho nos tributos

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Dados e análises sobre os impostos e seu efeito na economia
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As holdings patrimoniais na mira da reforma tributária

O modelo dos negócios familiares está para sofrer uma reviravolta, e sua viabilidade deve ser revista por muitos grupos

Por Adolpho Bergamini
Atualizado em 5 jul 2024, 09h53 - Publicado em 4 jul 2024, 09h32
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  • Estou de férias na Itália em uma road trip pela Puglia com a família, e meu filho é meu pequeno grande parceiro nesta viagem. Em um desses dias, fomos a Alberobello e logo pela manhã eu disse a ele que lá as casas, chamadas trulli, são muito engraçadas e lembram iglus, mas seus telhados são de pedra e parecidos com grandes cones. Já na estrada, na playlist começou a tocar Taxman, dos Beatles. A letra é sugestiva, e os versos de George Harrison “deixa eu dizer como vai ser, será um para você e dezenove para mim”, “cinco por cento parecem muito pouco, seja agradecido por eu não levar tudo”, ou “vou taxar a rua, os bancos, o calor e os seus pés”, me inspiraram a contar ao meu filho o motivo para as casas de Alberobello serem tão diferentes.

    Contei que, no passado, o antigo Reino de Nápoles, que governava a região, enviava seus fiscais para cobrar da população as taxas sobre suas casas. Mas, quando tinham notícia de que o cobrador estava a caminho, os aldeões derrubavam as pedras dos telhados, que não eram presas por qualquer tipo de argamassa justamente para facilitar a derrubada. Não havendo telhados, não se podia dizer que as construções eram moradias, e os impostos não eram cobrados. Quando o cobrador partia para outra região, as pedras eram recolocadas e todos tinham onde morar…  Com telhados.

    O “planejamento de Alberobello” acabou no século XVIII, quando houve mudanças nas circunstâncias políticas e jurídicas na região. A reflexão que faço, aqui, é exatamente sobre a transitoriedade das coisas. Impérios, reinos e planejamentos tributários têm o seu tempo de existência, como tudo, e as holdings patrimoniais parecem estar com os dias contados em função do advento da reforma tributária.

    As holidngs nasceram como instrumentos facilitadores ao exercício do controle e da gestão de corporações por um determinado grupo. Ao invés de participar ativamente do capital social de tantas empresas, o grupo constitui a holding, e esta, sim, toma a frente dos investimentos em participações societárias, ativos imobiliários e outros. Todo o resultado é centralizado em um único balanço, facilitando o gerenciamento do patrimônio e a distribuição de resultados.

    Com o tempo, o conceito da estrutura foi adotado por famílias para gerirem seus bens. Surgiram, então, as holdings patrimoniais, que carregam consigo muitas razões para existir. Por exemplo, se todo o patrimônio da família faz parte do capital social da empresa, caso o seu gestor venha a falecer, o inventário será muito mais simples, porque os bens a serem transmitidos aos herdeiros serão apenas as quotas ou ações, nada mais. O modelo também é útil para proteger o patrimônio contra eventos que possam depredá-lo, como casamentos malsucedidos ou familiares perdulários que se lançam em aventuras financeiras impensadas.

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    Mas a estrutura também gera um efeito fiscal favorável. Usualmente, as holdings patrimoniais adotam o regime tributário do lucro presumido, que é permitido a contribuintes que auferem até 78 milhões de reais no ano. Aqui vai um pouco de juridiquês, mas fiquem comigo e não me abandonem, prometo que é o mínimo necessário à compreensão do texto. Vamos lá. Em suma, a legislação presume (daí o nome do regime) que, das receitas totais da empresa, um determinado percentual é o lucro efetivo. Para prestadores de serviços em geral, a presunção é de 32%, mas, para indústrias, comerciantes, para certos prestadores de serviços e para os negócios imobiliários, a presunção é de 8%.

    Trocando em miúdos, a alíquota de 25% do IRPJ, e a de 9% da CSLL, incidem sobre esses 8%. A essa conta são adicionadas as alíquotas de PIS e Cofins, que somam 3,65%. No final, os rendimentos sobre aluguéis e arrendamentos são tributados pela alíquota efetiva de 6,37%, assim como o resultado da compra e venda de imóveis, se essa atividade também for operacional da holding. Por outro lado, os ganhos percebidos com participações societárias e os dividendos distribuídos aos quotistas, os membros da família, estão isentos de tributos. Caso os rendimentos fossem auferidos pelas pessoas físicas, a tributação seria de 27,5%.

    Dada a discrepância, o modelo sempre foi questionado pelo Fisco, que o entende como “planejamento abusivo”. Houve, realmente, casos em que ficou demonstrado que a estrutura não tinha nenhum outro propósito econômico, a não ser a redução de carga tributária. Foram casos, por exemplo, em que as holdings tinham um único sócio, ou certas circunstâncias em que os bens transitaram entre empresas e sócios por valores não condizentes com os de mercado. Mas, em geral, as bases do modelo são bens construídas e a grande maioria foi motivada por interesses sociais, econômicos e familiares, e a tributação favorecida decorreu apenas de uma opção que a própria legislação oferece a todo e qualquer contribuinte que fature até 78 milhões de reais. Por essas razões, a história dos precedentes das cortes administrativas e judiciais está repleta de casos em que, mesmo depois de postas à prova, as holdings foram validadas pelas autoridades.

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    Mas o modelo dos negócios familiares está para sofrer uma reviravolta, e sua viabilidade deve ser revista por muitos grupos.

    Já trouxe a esta coluna muitos comentários sobre o projeto de lei complementar (PLP) nº 68/2024. Um deles versou a respeito da incidência da CBS e do IBS sobre as operações imobiliárias, que é exatamente o tema que vai bater nas holdings patrimoniais. De acordo com o texto desse projeto de lei, as locações, os arrendamentos e a compra e venda de imóveis serão tributadas pela CBS e pelo IBS.

    Isso, por si só, já é uma grande mudança nas perspectivas das holdings porque, hoje, a carga que recai sobre o lucro imobiliário é mensurada pelos 6,37% e, adicionalmente, pelo ITBI, cuja alíquota varia de município para município. Todavia, em um futuro próximo teremos a CBS e o IBS gravando as vendas e locações de imóveis, que contam com sérios problemas na composição de suas estruturas, fundamentalmente em suas bases de cálculo e alíquotas, que ainda não são conhecidas, e provável inconstitucionalidade pela bitributação com o ITBI, que está em pleno vigor e não será revogado.

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    Não é só. Embora ainda não haja alarde, não esqueçamos que está por vir a reforma tributária sobre a renda, que tem como um dos principais pilares a tributação sobre dividendos. Muito está sendo dito em conversas informais, aqui e ali se diz que a ideia é tributar apenas a distribuição do resultado às pessoas físicas, ficando de fora os dividendos distribuídos a empresas em suas participações e investimentos realizados em outras sociedades. Mas são apenas conjecturas.

    O que há de certo é que teremos majoração do peso fiscal sobre as operações das holdings patrimoniais, mas seu tamanho ainda não está claro. Façamos um exercício de suposição “por baixo”, para sermos realistas. Vamos assumir que as alíquotas da CBS e do IBS somarão 20%, o que é pouco em vista das possíveis alíquotas de referência que já foram faladas no noticiário econômico, de 33%, 27,5%, 26,5% ou 25%. Ainda no campo das hipóteses, tenhamos que o IRPF sobre dividendos será de 15%, que também é baixo se comparado à alíquota padrão de 27,5%. Nesse contexto, os negócios imobiliários terão uma carga fiscal de 35%, sem contar com a tributação pelo IRPJ que recai sobre os rendimentos auferidos pela própria holding. Nas contas finais, a carga total está perigosamente perto dos 50%.

    Deixei propositadamente para o final a informação de que o “planejamento Alberobello” chegou ao fim porque a região conseguiu a sua autonomia. Ao deixar de responder ao Reino de Nápoles, não devia mais impostos ao Rei Fernando IV.

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    Mas, diferente dos aldeões da cidade dos trulli, que derrubavam telhados para não pagar tributos, os contribuintes brasileiros que formaram suas holdings patrimoniais se empenharam nessas estruturas, diga-se, totalmente lícitas, para proteger seus patrimônios. E agora terão uma escolha difícil a fazer para o futuro: ou deixam os resultados de vidas de trabalho expostos a intempéries, ou os protegem, mas às custas de uma carga tributária altíssima. 

    Há algo de errado com o país. Sua população vê movimentos cada vez mais agressivos por parte do governo para aumentar impostos e gastar sem limites, mas, por outro lado, também vê parte da academia e de tributaristas de renome apoiando e aplaudindo essas medidas.

    Nós, contribuintes, não temos possibilidade de brigar por nossa autonomia do governo brasileiro. Resta acompanhar a evolução dos debates do PLP nº 68/2024, aguardar como será o resultado final da lei a ser publicada e fazer os questionamentos no tempo certo. Enquanto isso, sigo contando histórias ao meu filho.

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