Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

De olho nos tributos

Por Adolpho Bergamini Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Dados e análises sobre os impostos e seu efeito na economia
Continua após publicidade

O pecado do imposto sobre pecado

Onerar demais certos produtos pode não ter como consequência a diminuição do consumo, mas, sim, jogar consumidores ao mercado de itens de menor qualidade

Por Adolpho Bergamini
Atualizado em 9 Maio 2024, 12h45 - Publicado em 2 abr 2024, 16h19

No sistema tributário atualmente em vigor, o Imposto sobre Produtos Industrializados é aplicado seletivamente em função da essencialidade do produto à sociedade. Isso quer dizer que itens como medicamentos e alimentos não são tributados pelo IPI, mas, por outro lado, as alíquotas sobre produtos que não são essenciais são elevadas. Por exemplo, cigarros são tributados a 330%. Na reforma tributária, a partir de 2027 o IPI dará lugar ao “imposto seletivo” e o norte à sua calibração será a caracterização do produto como sendo prejudicial à saúde ou ao meio ambiente.

A ideia não é nova. No mundo, os chamados excise taxes visam modificar condutas dos cidadãos por via da majoração da carga tributária sobre tabaco, álcool, jogos de azar, drogas e prostituição (nos locais em que é legalizada), entre outras atividades tidas como danosas, para que reduzam seu consumo. E, a reboque, incrementar a entrada de recursos nos caixas do governo. Essas inusitadas bases de incidência deram aos tributos o apelido de sin taxes ou “impostos sobre pecado”.

O primeiro do qual se tem notícia é o imposto sobre whiskey instituído pelos Estados Unidos para pagamento de dívidas da Guerra da Independência. Outro excise tax sobre álcool foi o de 1862 para financiar a Guerra da Secessão. Se por um lado o governo americano experimentou ganhos pelas receitas que auferiu, por outro não testemunhou os esperados efeitos de modificação de condutas por parte de seus contribuintes. Viu a deflagração da “Rebelião do Whiskey” de 1791, que mirava justamente a taxação do produto. Viu também o sensível aumento do consumo de álcool. Entre o final do século XIX e o começo do século XX, boa parte da população americana era alcoólatra e, por isso, veio a “Proibição”. A Lei Seca motivou o contrabando de bebidas, a escalada do crime organizado, a criação de fábricas ilegais de whiskey pelo país e a inspiração para roteiros de filmes de Hollywood. Um dos elementos-chave à sua revogação foi a necessidade de obtenção de receitas, pelo governo, para fazer frente à Grande Recessão de 1930. Ficou claro que o excise tax é uma boa fonte de renda, mas, não é eficaz para modificar comportamentos.

O “fracasso” dos impostos sobre pecado desafia a lógica da “Curva de Laffer”. De acordo com ela, se a carga tributária for zero, não haverá arrecadação e o consumo de determinado produto será alto. Mas, se a carga tributária for demasiadamente majorada, o consumo será drasticamente reduzido, o que também prejudicará a arrecadação. O ponto de equilíbrio ideal está no meio da curva, onde consumo e arrecadação são harmônicos. Com esse raciocínio, seria crível afirmar que o consumo de whiskey nos Estados Unidos deveria regredir após a instituição de impostos, mas, não foi o que ocorreu. O fracasso foi tamanho que as autoridades chegaram mesmo a proibir a produção e a comercialização de álcool, mas, nem mesmo assim o consumo diminuiu.

Isso se deve a dois elementos essenciais. Primeiro, o consumo de produtos como álcool, tabaco, alimentos com açúcar, gorduras, lanches gordurosos e outros que agem imediatamente na sensação de prazer e bem-estar do consumidor, é inelástico e responde pouco ao aumento de preços. O aumento de impostos tende a não impactar o consumo, quando muito pode gerar consumo de bens semelhantes e mais baratos, mas que proporcionam a mesma sensação de prazer. Segundo, as análises em torno da Curva de Laffer capturam apenas dados observáveis no mercado e não enxergam movimentos como a migração do consumo do mercado lícito para o mercado ilícito, permeado de produtos contrabandeados e falsificados.

Continua após a publicidade

O tema ganhou corpo com a apresentação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei número 29, de 19 de março de 2024, que visa regulamentar o imposto seletivo. Segundo as regras propostas, a instituição do imposto deverá prever suas metas, com mecanismos de acompanhamento da evolução de seus impactos sobre os males que quer evitar, bem como programas de prevenção e conscientização relativos ao consumo saudável e sustentável. Caso os objetivos não sejam cumpridos, a cobrança do imposto deverá ser suspensa.

O projeto está repleto de boas ideias. Mas há um ponto sensível, que é o mote deste ensaio. De acordo com o texto, as alíquotas serão instituídas conforme a essencialidade e o nível de nocividade do bem à saúde. E aí reside a grande exclamação. Onerar demais certos produtos pode não ter como consequência a diminuição de seu consumo, por que inelástico, mas, sim, jogar consumidores ao mercado de itens de menor qualidade, ao contrabando ou à falsificação, que não têm o menor controle de qualidade. Esse pode ser o maior pecado do imposto sobre o pecado.

Publicidade

Imagem do bloco
Continua após publicidade

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.