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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung

A cultura determina a prosperidade dos povos? Parte 2

Com uma abordagem mais abrangente, estudiosos têm mostrado que elementos como confiança social e laços familiares influenciam desenvolvimento econômico

Por Luciana Yeung
Atualizado em 25 jul 2024, 14h47 - Publicado em 25 jul 2024, 14h26

Na última coluna, comecei a discussão do fascinante tema dos possíveis impactos da cultura na prosperidade econômica de uma nação. Mencionei que esse tema é de complexa investigação científica, principalmente pela dificuldade em acessar a causalidade de uma variável sobre a outra. Trouxe a discussão de economistas institucionalistas, especialmente Daron Acemoglu e James Robinson que, em seu famoso livro Why Nations Fail, deram dezenas de exemplos – um deles, o das Coreias do Norte e do Sul (entre vários outros) – para mostrar que fatores como as instituições governantes desempenham papéis cruciais, muitas vezes mais do que a cultura em si, no destino da economia dos países. 

Porém, como adiantei, a relação não é evidente e as respostas não são simples nem definitivas. Mesmo entre os cientistas sociais, e mesmo entre os institucionalistas, não parece existir um consenso. As dificuldades começam na oferta de uma precisa definição da palavra “cultura”: sem exagero, fazer isso renderia teses ou mesmo carreiras acadêmicas inteiras. 

De maneira simplificada, se cultura for entendida como “costumes” ou “hábitos comuns de um povo”, talvez de fato ela não tenha papel determinante no destino econômico dos países. Porém, cultura pode incluir outras questões. Para isso, devemos lembrar de outra definição, a de “instituições”, que também é um tanto quanto complexa, mas que poderia ser compreendida como “regras do jogo usadas para governar a relação entre pessoas vivendo em sociedades e para cuja infração estão previstas sanções”. Essa é uma definição formal e amplamente aceita pelos economistas institucionalistas e que foi fornecida, de maneira separada, mas complementar, por dois prêmios Nobel, Douglas North (em um trabalho de 1990) e Elinor Ostrom (em 1986). 

Por que eu trago a definição de instituições? Porque é claro que, para além das instituições formais e legais (leis, contratos, normas etc.) existe um vasto e pervasivo conjunto de instituições informais. Já tive oportunidade de discutir, em coluna do dia 17 de abril passado (“Leis que ‘não pegam’? A Economia explica”), a força e o enraizamento das instituições informais no comportamento das pessoas. Mas o que importa aqui é que dentre o universo de instituições informais, muitas delas podem ser identificadas como elementos que normalmente as pessoas associam a… cultura! Exemplos são a religião, certas normas morais e valores éticos, a tradição. Como, então, distinguir instituições informais de cultura? Nem sempre serão distintas, porque efetivamente existe um conjunto interseção entre elas duas que é significativo.

Confuso? Não, se voltarmos às definições fundamentais: instituições são regras de convivência social, com sanções previstas para o seu não-cumprimento. Então, sob a abrangente definição de “cultura”, encontram-se tanto elementos institucionais quanto outros não-institucionais. Se a religião protestante (ou católica, ou muçulmana etc.) for aceita como um traço cultural, ela pode ser entendida igualmente como instituição, porque todas as religiões preveem sanção, mesmo que seja “sofrer depois da morte no inferno” (não há necessidade de a sanção institucional ser efetivada pelo Estado, pelo contrário). Igualmente, se a filosofia confucionista for entendida como um forte traço cultural de povos do Extremo Oriente (e eu desafio alguém a trazer um livro discutindo a cultura asiática que não tenha um capítulo sobre o confucionismo), ela igualmente pode ser considerada um conjunto de instituições, porque prevê, entre outras coisas, uma forte sanção social para aqueles que não a seguirem (um dos tipos de sanção mais poderosos que existem é o ostracismo). Porém, por outro lado, existem elementos da cultura que não preveem sanções para o seu não-cumprimento. Um singelo exemplo seriam os costumes culinários de um povo: chineses gostam de alimentos cozidos e quentes, japoneses não se importam em comer peixe cru, coreanos estão habituados a refeições picantes. Mas contra o não-seguimento desses costumes não estão previstas (normalmente) sanções severas. Não são instituições. Da mesma forma, existem instituições informais que não são elementos culturais: por exemplo, grupos sociais (clube de baralho, bingo, dança de casais etc.) que têm determinados hábitos nos fins de semana, mas sem a obrigatoriedade de seu cumprimento, ou a sujeição a penas

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Chegamos então aonde eu queria: em diversas ocasiões, neste espaço, discuti como a economia institucional tornou-se parte do mainstream da ciência econômica por evidenciar que instituições importam para o destino econômico dos países. Mas nem Douglas North, nem Elinor Ostrom, nem Oliver Williamson – os autores institucionalistas já agraciados com o Prêmio Nobel – afirmaram que são somente as instituições formais e legais que têm esse impacto, muito pelo contrário. Mais especificamente, existe uma legião de economistas e cientistas organizacionais dedicados a estudar a forte influência das instituições informais no destino dos povos, inclusive em momentos contemporâneos e ambientes modernos. 

Assim, percebe-se que, na verdade, há ainda muito espaço para investigações sobre a influência das culturas – aquelas com características de instituições informais (ou seja, “regras de conduta em sociedade com sanções previstas para o seu não cumprimento”) – no desenvolvimento econômico das nações. E, de fato, esse tema parece estar ressurgindo recentemente. Um artigo de blog bastante interessante mostra que, na verdade, até mesmo Adam Smith atribuiu a riqueza das nações a certos aspectos culturais como a ética de trabalho protestante. Mostra também que, depois de um século XX quase dormente, houve um ressurgimento na consideração de fatores culturais sobre o comportamento econômico e a eficácia de políticas públicas. Baseando-se em estudos empíricos, estudiosos (alguns deles, economistas bem conhecidos na atualidade) têm mostrado que elementos culturais como confiança social e laços familiares influenciam o desenvolvimento econômico. Agora, parece surgir uma abordagem econômica mais abrangente que incorpora cultura, instituições e contexto histórico para melhor entender e implementar políticas econômicas. 

O texto discute também dois pontos acima mencionados: a dificuldade em oferecer uma precisa definição do que seja “cultura”, e a ainda não bem compreendida relação entre cultura e instituições. Mais ainda, menciona (mesmo que rapidamente) um problema que apontei na coluna passada: estudar a importância de traços culturais para a prosperidade ou fracasso dos países, muitas vezes leva ao perigo de concluir que determinadas culturas – em detrimento de outras – são mais bem-sucedidas, ou “melhores” para alcançar o sucesso econômico. E isso pode gerar resultados xenofóbicos, preconceituosos, ou mesmo apologias a “supremacias culturais”. Pessoalmente, como economista sempre almejando encontrar relações de causalidade entre as variáveis, acho esse último risco quase que inevitável para aqueles que estudam a influência da cultura sobre o desenvolvimento econômico. Mas eu posso estar redondamente enganada…

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Como disse, há diversos estudiosos dedicando suas carreiras a pesquisar as instituições informais, sua força e sua relação com as instituições formais e legais. Espero em artigos futuros ter a oportunidade de trazer um pouco sobre os resultados fascinantes dessas investigações recentes.

Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora (juntamente com Bradson Camelo) de “Introdução à Análise Econômica do Direito” e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.  

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