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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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O que significa a (tão comentada) racionalidade econômica?

A ciência econômica estuda a tomada de decisão racional sujeita a restrições. Entenda melhor esse comportamento humano

Por Luciana Yeung
7 ago 2024, 12h24
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  • Um dos conceitos mais fundamentais da ciência econômica é o de racionalidade, ou de comportamento racional das pessoas. Em termos, uma das definições corretas da ciência econômica é a de ciência que estuda o comportamento humano, ou a tomada de decisão racional sujeita a restrições.

    Entretanto, esse é um dos conceitos mais mal compreendidos pelos não economistas. Os juristas, sobretudo, têm o entendimento equivocado de que se trata de algo muito além do que realmente é e, por isso, criticam essa premissa econômica como sendo irrealista: “Oras, quase nunca as pessoas serão racionais!”, dizem eles. Mas não é nada disso que eles e outros entendem. Vamos lá.

    A racionalidade econômica pode ser entendida como a busca por satisfação ou benefícios em um contexto de restrições e recursos limitados. Compreender essas limitações é fundamental para entender a lógica econômica, como apontado por Lionel Robbins. Sem essas restrições, todos os indivíduos buscariam alcançar benefícios infinitos, ganhos e bem-estar de maneira ilimitada. No entanto, no mundo real, todos os recursos são finitos: tempo, dinheiro, oportunidades, entre outros. Por isso, muitas das escolhas desejadas não são viáveis, e é necessário tomar uma decisão racional. Em outras palavras, uma decisão racional avalia as opções disponíveis, identifica aquela que implica o menor custo e toma uma decisão com base nisso.

    Até mesmo os milionários e bilionários enfrentam limitações de recursos: embora possam ser menores em comparação com a maioria das pessoas, elas ainda existem, porque nenhum recurso é infinito ou ilimitado (ser abundante não significa ser infinito). Como todos os recursos são finitos, sempre haverá restrições. Da mesma forma, e talvez de maneira mais explícita, a limitação do tempo influencia significativamente as decisões de todos nós. 

    A limitação dos recursos é ainda mais evidente quando consideramos as inúmeras decisões diárias – tanto de indivíduos quanto de organizações – que não estão relacionadas à aquisição de bens materiais de consumo. Por exemplo, a escolha de dedicar tempo ao ócio (não fazer nada), a decisão de parar de trabalhar para cuidar da família, da saúde ou para se envolver em atividades voluntárias, a escolha de plantar árvores e proteger o meio ambiente sem fins comerciais, ou optar por uma vida mais saudável. Essas decisões não envolvem necessariamente questões monetárias, mas ainda assim podem ser analisadas e compreendidas através do conceito da racionalidade assumida pela teoria econômica.

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    Frequentemente, acredita-se que apenas pessoas muito educadas, com alta escolaridade, sejam capazes de tomar decisões racionais. Isso é um equívoco. Mesmo pessoas analfabetas, sem habilidades de leitura e escrita ou de cálculo podem ser (e geralmente são!) racionais. O essencial é que elas saibam o que desejam, o que precisam ou o que gostam, e o que precisam fazer, gastar ou investir para alcançar esses objetivos. Vamos ilustrar isso com um exemplo relacionado ao Direito.

    Uma pessoa com pouca educação, pode ser até analfabeta, é prejudicada em uma relação de consumo, como uma cobrança indevida na conta do celular ou a compra de um produto defeituoso. Ela tenta entrar em contato com a empresa fornecedora do serviço ou produto, mas sem sucesso. Nesse momento, consciente ou inconscientemente, ela tomará uma decisão que pode ser racional: considerará as alternativas possíveis diante da situação, como (i) “deixar pra lá”, ignorar o problema e arcar com o prejuízo, (ii) continuar tentando negociar com a empresa por conta própria, ou (iii) contratar um serviço jurídico – advogado ou defensoria pública – para lidar com a questão, o que pode levar a duas alternativas adicionais: (iii.a) o serviço jurídico tenta uma negociação mais incisiva com a empresa, ou (iii.b) processa a empresa.

    Qual alternativa a pessoa escolherá dependerá de vários fatores relacionados à situação específica em que se encontra: qual é o valor da perda? Quão fácil ou difícil é encontrar serviços jurídicos? Ela sabe sobre a possibilidade de Justiça Gratuita? Esses são apenas alguns dos fatores que influenciarão sua decisão. Em outras palavras, a escolha dependerá do custo de cada alternativa, tanto teórico quanto prático. A pessoa sempre optará pela alternativa que seja menos onerosa ou incômoda. Por exemplo, se ela decide insistir na negociação com a empresa, de forma persistente, e se tem tempo para isso até ser ouvida, esse comportamento reflete uma decisão econômica racional.

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    Não se deve confundir o conceito de racionalidade econômica com problemas de informação que podem surgir durante o processo decisório. Como mencionado anteriormente, uma das variáveis importantes para a decisão de uma consumidora lesada sobre processar ou não a empresa é o acesso à informação, que inclui saber onde obter ajuda (como SACs, advogados, defensoria pública etc.) e a possibilidade de acesso gratuito à Justiça. Não ter acesso a essas informações não torna a pessoa automaticamente irracional: ser prejudicada pela assimetria de informação é diferente de ser irracional, assim como ser considerado racional não significa ter acesso a informações simétricas ou perfeitas.

    Podemos, então, chegar a algumas conclusões sobre o conceito de racionalidade econômica. Em primeiro lugar, ela se aplica ao processo de tomada de decisão no cotidiano das pessoas. Em segundo lugar, não se restringe apenas a indivíduos com conhecimentos técnicos ou elevada escolaridade; o essencial é que as pessoas reconheçam os benefícios que podem obter em troca de algum tipo de custo (tempo, dinheiro, acesso à informação etc.). Terceiro, assim como os custos, os benefícios associados aos bens de consumo não se restringem apenas aos aspectos econômicos. Por fim, a racionalidade econômica pode ser aplicada não apenas às decisões tomadas em mercados de compra e venda de bens e serviços, mas também a situações não comerciais, como processar alguém ou negociar com quem causou danos.

    Com isso, talvez tenha ficado mais claro que o que envolve e o que não envolve o conceito de racionalidade econômica. Mais, como esse conceito pode ser facilmente aplicável ao entendimento do Direito. 

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    Isso quer dizer que a racionalidade é realmente sempre presente no comportamento das pessoas? Veremos que também não é bem assim, já que, de fato, há situações específicas e previsíveis (e isso é importante), em que vieses comportamentais acontecem. Mas vamos deixar essa discussão para a outra semana. 

    Observação: Essa discussão pode ser encontrada no meu novo livro, que sairá em breve (ainda em 2024) nas livrarias, O Judiciário Brasileiro: uma análise empírica e econômica, pela Editora Foco.

    Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora (juntamente com Bradson Camelo) de “Introdução à Análise Econômica do Direito” e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.

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