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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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Public Choice: lucidez para entender a política como ela realmente é

A teoria da escolha pública é uma combinação da economia com a ciência política e o foco recai sobre o comportamento dos agentes políticos. Entenda

Por Luciana Yeung
30 out 2024, 16h05
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  • Em época de eleições, vale a pena discutirmos a relação entre a economia e a política. Curiosamente, as áreas interdisciplinares são aquelas que têm atraído mais o meu interesse: economia com direito (análise econômica do direito), economia com psicologia (economia comportamental, sobre a qual já tive oportunidade de discutir outras vezes nesta coluna), economia com história (esta última, origem do novo institucionalismo econômico). E, na minha opinião, a combinação da economia com a ciência política é uma das mais fascinantes, sobretudo aquela manifesta na teoria da escolha pública (public choice).

    Como já se sabe, a economia, principalmente a microeconomia, busca compreender o comportamento das pessoas de forma realista, sem idealizações. No caso da public choice, o foco recai sobre o comportamento dos agentes políticos tal como o comportamento realmente é, sem a suposição do que deveria ser. Os agentes políticos incluem políticos eleitos, magistrados, burocratas, grupos de interesse (lobbies, sindicatos, associações), organizações civis, ONGs e, claro, eleitores.

    Um dos fundadores dessa perspectiva econômica foi o renomado economista George Stigler, da Universidade de Chicago, ganhador do Prêmio Nobel. Stigler questionou um conceito comum na teoria econômica clássica: a ideia do Estado como um planejador central benevolente, que sempre age para maximizar o bem-estar social. Stigler demonstrou que, na prática, o Estado frequentemente busca atender a interesses particulares, promovendo transferências ineficientes que podem beneficiar mais quem já tem mais. Esse fenômeno deu origem à famosa “teoria da captura”, que ilustra como políticas públicas podem ser moldadas por grupos de interesse, em detrimento do bem comum. Como o próprio Stigler afirmou: “Pressupomos que os sistemas políticos são racionalmente concebidos e empregados para satisfazer os desejos dos membros da sociedade”.

    Os agentes políticos, como qualquer pessoa, são racionais e maximizadores de seus próprios interesses. Isso não significa que sejam corruptos ou “maus” por natureza, mas que, para alcançar seus objetivos, precisam conquistar e manter o poder político ao longo do tempo. Muitas vezes, seus atos vêm revestidos de boas intenções e são apresentados sob rótulos atraentes, como “vontade geral” ou “interesse público”, mas suas motivações reais podem estar longe de ser tão altruístas.

    Aqui, entra o conceito de individualismo metodológico, que analisa o comportamento concreto dos agentes políticos, em vez de idealizá-los. A pergunta essencial não é o que eles deveriam fazer ou o que alegam querer fazer, mas sim: quais incentivos eles realmente recebem e como agem em função desses estímulos? Afinal, na política, ninguém se transforma (muito menos é) em santo ou herói, demônio ou vilão, e os políticos, como outros agentes, também buscam o próprio lucro — seja econômico ou político. Isso é bem diferente do que se costuma colocar nos meios públicos. 

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    Outro grande nome da teoria da public choice foi Mancur Olson, que ficou conhecido pelo seu célebre estudo sobre a ação coletiva. Olson destacou como os resultados concentrados, seja em termos de benefícios ou custos, muitas vezes impulsionam os movimentos políticos. Políticas que concentram benefícios em poucos grupos, mas distribuem os custos pela sociedade, tendem a prevalecer. Da mesma forma, políticas que espalham benefícios por toda a sociedade, mas concentram os custos em alguns, podem encontrar forte resistência para adoção. O motivo é que é sempre muito mais fácil organizar e mobilizar grupos menores de pessoas, do que grandes massas na sociedade. Isso tudo ajuda a explicar por que reformas de grande alcance, como a previdenciária ou a tributária, enfrentam tantos obstáculos, apesar de seus claros benefícios para o restante amplo da sociedade.

    A public choice também lança um olhar realista sobre os eleitores. Tal como os outros agentes do jogo político, os eleitores têm suas preferências, interesses e necessidades. Eles são autointeressados e sofrem de assimetria de informação, o que dificulta a tomada de decisões plenamente informadas. Além disso, segundo os estudiosos da public choice, eleitores são muitas vezes míopes, esquecendo-se do passado e agindo com uma racionalidade limitada, o que explica, por exemplo, por que Winston Churchill, após liderar a vitória na Segunda Guerra Mundial, perdeu a eleição logo em seguida. Por essa “objetividade nada romântica”, para os eleitores – de maneira individualizada – não votar pode ser uma decisão racional (os benefícios superam os custos). Embora seja uma perspectiva politicamente incorreta e até desanimadora, é uma visão da realidade política como ela é, e não como deveria ser.* 

    Ao final de uma aula recente sobre public choice, uma aluna levantou a mão e perguntou: “E daí? O que pode ser feito (com tudo isso)? Dá para ser menos pessimista?” Essa pergunta me satisfez muito como professora. Ao estimular essa inquietação, senti que cumpri minha missão de apresentar a public choice não apenas como uma teoria, mas como uma ferramenta para entender a realidade política lúcida e da forma como ela realmente é. A resposta para a aluna está justamente aí. 

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    * Observação: Para “amenizar” esse resultado na perspectiva dos eleitores, mas ainda valendo-nos de conceitos econômicos, poderíamos dizer que essa visão autocentrada dos eleitores leva ao famoso resultado da teoria dos jogos, do dilema dos prisioneiros: na tentativa de maximizar seu benefício individual – não indo votar – os eleitores acabam gerando um resultado que não maximiza o benefício social, pelo contrário, gera muitos danos sociais. Mas isso não é foco da análise da public choice… (A preocupação é entender os agentes de maneira individualizada…).

    Luciana Yeung é professora associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.

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