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Agora, falando sério

Crítica rigorosa impede que Bolsonaro seja um Lula com sinal trocado

Por Dora Kramer Atualizado em 4 jun 2024, 16h10 - Publicado em 7 dez 2018, 07h00
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  • Muita gente boa acha que Jair Bolsonaro vem se saindo melhor que a encomenda. Arriscaria dizer que isso se deve menos às qualidades ou vontades dele e mais às circunstâncias. Nunca antes (estabelecido o corte histórico na retomada da democracia) um presidente eleito foi submetido a um rigor crítico como vem ocorrendo com Bolsonaro e companhia neste período ainda de transição para o início oficial da gestão.

    A chamada elite pensante se movimenta: escreve, discorre, cobra e duvida. Um ótimo começo de conversa; sinal de que há esperança para o bom andamento dos trabalhos da construção de um país melhor. Esse ambiente estava fazendo falta e se estabelece como agradável contraponto à aceitação entre bovina e deslumbrada com que essa massa com capacidade crítica se comportou diante dos pratos feitos servidos pelo PT durante os dois governos de Luiz Inácio da Silva, até meados do primeiro período de Dilma Rousseff.

    Na época e durante muito tempo celebraram-se a ignorância no falar e a rudeza no fazer a fim de que ninguém se sentisse em dívida com a suposta ascensão da classe operária ao poder. Um embuste, naturalmente, mas que só começou a ser desfeito à luz do descalabro na economia e na evidência da roubalheira. Uma submissão acrítica tal a ponto de nessa altura do ano de 2002, Lula eleito, ninguém achar anormais a criação desenfreada de ministérios sem a menor importância e a formação do ministério mediante o critério de loteamento espúrio até quinze minutos antes da eleição tão criticado pelos vitoriosos.

    Tudo parecia normal, e assim era aceito. O PT chegou como quem tivesse descoberto o Brasil. Bolsonaro e sua turma de certa forma ensaiaram o mesmo e ainda, em alguns aspectos, tentam posar de fundadores da nação com promessas (ameaças?) de desmontes contra “tudo isso que está aí”. Familiar, pois não? Pois, sim. Não estão conseguindo grandes avanços nesse sentido. Os repetidos recuos dos novos inquilinos do Planalto têm dado notícia da eficácia da resistência de efetivos resultados: o debate minucioso de cada tema da tão necessária quanto atrasada agenda da nação.

    Estamos discutindo no detalhe a reforma da Previdência; o tal do projeto Escola sem Partido ensejou a manifestação de especialistas sobre as reais dificuldades na educação; a indicação de um chanceler marcadamente ideológico, uma imagem invertida de Celso Amorim, propiciou o levantamento de questões essenciais no campo da política externa; a escolha de Sergio Moro pôs em tela grande a temática da segurança e da corrupção, e por aí afora seguem, entre aprovações e desaprovações, as cobranças e análises surpreendentemente consistentes.

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    A eleição de um presidente em boa medida rejeitado pelos pensantes (bons e maus) nos abre a esplendorosa janela de oportunidade de falar sério sobre o país num exercício substantivo do contraditório, cujo maior, mais vistoso e imediato benefício é impedir que Jair Bolsonaro se comporte na Presidência como um Luiz Inácio da Silva com sinal trocado.

    Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612

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