Certos anos, quando acabam, proporcionam suspiros de alívio. Foi assim em 2020, de modo enganoso, pois se supôs ali que a pandemia arrefeceria. Agora, ao fim de 2021, nada autoriza a mesma ilusão nem ninguém provido de bom senso acredita que dias melhores virão em 2022 no quesito atribulações políticas.
Na teoria do mundo oficial, é uma campanha curta, 45 dias, segundo o permitido pela legislação. No universo paralelo da prática, tem sido a mais longa da história recente, com a duração exata do intervalo entre a eleição passada e a seguinte.
A razão sabemos: um presidente eleito sob forte rejeição que, à falta de atributos para reverter a situação, no lugar de governar se dedicou a seguir na condição de candidato criador de casos, imaginando assim alcançar a reeleição.
Jair Bolsonaro exagerou na dose do remédio, que virou veneno e o fez chegar a uma situação eleitoralmente não impossível, mas muito difícil ao fim de três anos de desgoverno. Os 21% de intenções de votos diante dos 48% de Luiz Inácio da Silva, segundo a última pesquisa do Ipec (ex-Ibope), nem são o obstáculo principal.
Mais grave para ele é a avaliação popular, cuja aprovação desde fevereiro caiu em média 10 pontos porcentuais nos itens eficácia governamental, desempenho pessoal e confiança na figura do presidente. Já vimos candidatos muito qualificados perderem eleições e governantes bem avaliados na função sofrerem derrotas. O contrário até hoje não se viu.
O histórico estatístico não determina o resultado da eleição, é verdade. O presidente tem praticamente o mesmo índice na pesquisa induzida (21%) e espontânea (20%), o que indica a existência de um núcleo sólido de eleitores. Ademais, há a caneta e a cadeira palacianas, fatores que têm sido determinantes na vitória de presidentes desde a instituição da reeleição. Portanto, nada está decidido e muito menos garantido.
Lula, por exemplo, termina o ano em alta, mas terá pela frente a árdua tarefa de sustentar dianteira tão ampla. O ex-presidente, que de bobo não tem absolutamente nada, sabe disso, não fica deitado na cama da fama e se movimenta. Escorrega aqui — com afagos a ditadores mundo afora —, mas tenta se recuperar ali criando atrativos ao noticiário como o convite a Geraldo Alckmin para ser vice.
“Turbulências políticas e 2021 serão como mar de rosas diante do que promete 2022”
O petista precisará, no entanto, conseguir escapar ileso dos estilhaços de seu imenso telhado de vidro, que os adversários certamente vão explorar. Ah, tem sido inocentado pela Justiça? Não, não tem. As nulidades decretadas são processuais, nenhuma delas lhe conferiu atestado de inocência.
A entrada de Sergio Moro no jogo complica a coisa nesse aspecto, porque traz de volta à cena o tema da corrupção, até então substituído no radar do eleitorado pelas agruras da sobrevivência: inflação, desemprego, carestia. O ex-juiz termina o ano em situação completamente diferente daquela do início. De carta fora do baralho, assumiu a posição de cortejado no campo alternativo às pontas do embate mais acirrado, em terceiro lugar nas pesquisas. Para ver como as coisas mudam.
Nesse processo rápido e agitado de mudanças, Ciro Gomes viu-se espremido, com mais um oponente além de Lula e Bolsonaro para atacar, ao mesmo tempo que precisa segurar seu próprio partido para impedir uma corrida ao PT. A unanimidade no PDT em torno dele foi quebrada e já não são poucas as vozes que defendem sua desistência.
João Doria é um caso à parte. Na realidade, um “case” enquadrado naquela categoria dos governantes eficientes sem reconhecimento eleitoral à altura. O governador de São Paulo inaugurou, em janeiro, a vacinação contra a Covid no Brasil e agora, em dezembro, aparece nas pesquisas empatado com o desconhecido André Janones e o folclórico Cabo Daciolo. Conforme dito acima, nada está resolvido e as coisas mudam.
A estrada é longa, mas o caminho não é deserto. Na verdade, está congestionado, embora o lobo mau esteja por perto, nesse cenário representado por uma campanha eleitoral que se avizinha dura, agressiva e no momento liderada por duas personalidades egocêntricas.
Para o bem e para o mal, Lula e Bolsonaro têm o dom do fascínio e isso os favorece na corrida eleitoral. Mas, para a escolha de alguém capaz de levar adiante um país, conviria ao eleitor lembrar-se de frase atribuída à ex-chanceler alemã Angela Merkel: “Os problemas não são resolvidos com carisma”.
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Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769