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Dora Kramer

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Encravado nas estrelas

O desafio das Armadas é evitar o contágio do vírus do descrédito

Por Dora Kramer Atualizado em 4 jun 2024, 14h31 - Publicado em 22 Maio 2020, 06h00

Militares com assento em gabinetes do Planalto e adjacências estão vendo como é difícil fazer parte de governos quando o ato de governar é presidido pela democracia. Panorama visto também por seus pares sem postos no Executivo, a serviço apenas do Estado. Uma boa experiência tanto para os remanescentes do regime autoritário quanto para as novas gerações lotadas no Exército, Marinha e Aeronáutica. Ressalvadas as exceções de praxe, para todos eles tudo indica serem pontos pacíficos a prevalência do poder civil resultante da escolha livre do voto e a normalidade institucional da Constituição de 1988. Nessa condição, depois de 21 anos no comando da nação, enquadraram-se ao ditame familiar à vida nos quartéis: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Nos últimos 35 anos não houve dúvida quanto ao imperativo de obediência devida à Carta Maior. Nesse período não se discutiram coisas como a hipótese de golpe militar.

O problema começou quando quem assumiu o topo da linha de comando mostrou não ter um pingo de juízo. Nessa hora, a de agora, as Forças Armadas passaram de instituição benquista a alvo de suspeições golpistas. E por quê? Grosso modo porque subverteram a ordem dos fatores e altas patentes aceitaram se submeter às ordens de um capitão. Reformado por indisciplina, acrescente-se. Na vigência de um regime de liberdades, garantia dos direitos individuais e submissão aos deveres constitucionais tudo tem um preço. Caríssimo e cobrado com juros da desmoralização quando se avalizam atos e palavras que extrapolam aqueles preceitos. Seja pelo compartilhamento do mesmo espaço, seja por ação e/ou omissão. No caso da junção dessas duas situações, o efeito dificilmente deixa de ser desastroso.

“Ajuizados, militares têm problemas quando quem manda não tem um pingo de juízo”

É o risco que correm as Armadas com o desgoverno de Jair Bolsonaro. Versão corrente reza que há resistência à manutenção de Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde a fim de evitar levar ao colo dos militares a crise sanitária. Se verdadeira, a precaução é inútil. Primeiro, porque foi ignorada pelo presidente ao anunciar a permanência do general “por muito tempo” no cargo e pelo próprio ao incorporar mais treze militares à equipe, assumindo o papel de testa de ferro da obsessão presidencial pela cloroquina. Segundo, porque não são só os desacertos no combate à pandemia que lhes pesarão sobre os ombros, mas também toda sorte de atitudes erráticas do governo no qual estão envolvidos para muito além do colo, ultrapassando a linha do pescoço.

Definitivamente não foi um bom negócio para os fardados esse mergulho sem barreiras de proteção. A despeito da compreensão de que generais que dividem mesa de reunião ministerial onde se fala aos palavrões não traduzem o pensamento majoritário no contingente das corporações armadas, aos olhos da sociedade não se estabelece essa separação. Não moderaram, como era a expectativa, os modos do presidente. Resta saber o que farão, além de comunicados oficiais de afirmação democrática, para evitar o alastramento do contágio e, com ele, a perda da indispensável credibilidade.

Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688

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