EM VIRTUDE da tensão pré-eleitoral que assola a maioria por falta de boas e óbvias escolhas, o caro leitor e a prezada leitora talvez estejam interessados em pensar a sério sobre as eleições do ano que vem, imbuídos do espírito de mudança e despidos do peso enfadonho do voto obrigatório.
Podemos pensar de duas maneiras. Devem existir várias outras, mas são estas as que me ocorrem: ir ao protesto amplo e irrestrito na ilusão de que a falta de legitimidade do pleito levaria à renovadora nulidade dele e, de lá, ao zero a zero do jogo; ou participar ativamente do processo, passo a passo, desde os debates prévios sobre a escolha dos candidatos até a cobrança explícita e detalhada das pretensões de quem deseja concorrer.
A primeira hipótese já foi tentada sem sucesso nos idos de 1970, quando certa esquerda (movida pela “impressão” de que podia derrubar a ditadura na luta armada) pregou o voto nulo. Estávamos numa situação em que o fim do túnel era escuro e, daí, acreditou-se que o tudo ou nada seria a melhor saída. O resultado foi ótimo para o regime militar, que conseguiu uma lavada nas eleições legislativas, as únicas permitidas então. A Arena deitou e rolou na esperteza passiva do adversário.
De mais utilidade foi a atitude ativa do eleitorado de 1974, que participou e elegeu senadores do MDB praticamente de ponta a ponta do país. O resultado eleitoral explicitou a insatisfação popular e deu início a um processo de deterioração do regime militar. Não foi fácil nem rápido. Levou anos: depois daquela eleição tivemos a campanha da anistia, as manifestações pela retomada de eleições diretas para presidente e governadores e finalmente a escolha de um presidente civil em eleição indireta.
Trajetória lenta, mas segura em decorrência do respaldo social. Hoje, quando o túnel se nos apresenta de novo, mas só a princípio sem saída, convém invocar o exemplo da luta pelo fim da ditadura quando ela deixou de ser um anseio de ativistas e políticos de oposição para se tornar uma construção irrefutável (e indestrutível) da sociedade brasileira, tal como anos depois seria o combate da inflação proposto por um governo, mas exitoso por causa da adesão social. Poderemos repetir o sucesso se nos distanciarmos das miragens desenhadas pelo populismo.
A maioria que elegeu Fernando Collor, em 1989, encantou-se com o vigor estético do então candidato. A avalanche de votos que levou Lula da Silva à Presidência em 2002 sustentou-se na ideia de que alguém com origem na pobreza conduziria o Brasil à riqueza, ao desenvolvimento, ao melhor da ética e da compostura.
Naquelas ocasiões demos com os burros na água. Os racionais, na literalidade, e os irracionais, na metáfora. Hoje não precisa ser assim. Com assertividade na cobrança, racionalidade sem receio no rebate de argumentos, sim, nós podemos combater os arrivistas, afastar os oportunistas e escolher entre aqueles que nos deem as melhores e mais consistentes respostas. É questão de querer, empenhar-se e discernir com argúcia na hora de decidir.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555