Dúvida, já não há: o Brasil tem na Presidência da República um homem psicológica e emocionalmente perturbado. Não diria louco, pois seria, assim, tido como inimputável, e Jair Bolsonaro de alguma maneira, cedo ou tarde, terá de pagar pelo mal que vem causando ao país com seus atos e palavras de incentivo à quebra das regras de precaução no combate mundial à expansão da Covid-19.
Não faz isso apenas por ignorância ou pura teimosia. Faz também com algum objetivo que só está claro para ele e para os celerados que compartilham de suas posições.
Para detectar alguma lógica nessa desordem mental, algumas hipóteses são desenhadas. A mais radical aventa a possibilidade de o presidente tentar provocar um processo de impeachment para se pôr no papel de vítima e se eximir das responsabilidades às quais não consegue fazer frente por falta de vocação e preparo.
Outra, em linha semelhante, desperta a desconfiança de que esteja querendo forçar uma situação à moda húngara, que enseje a tomada de soluções autoritárias como o recurso ao estado de sítio. Tratando-se de Bolsonaro, não convém duvidar de nada, por mais absurdas e inexequíveis que sejam as ideias.
Ele quer fazer o diferente a fim de tentar se valer tanto de possíveis bons resultados das medidas de precaução, como se fossem a prova de que tinha razão, quanto do inevitável agravamento da situação econômica para, então, dizer: “Eu avisei”.
Em ambos os casos as opiniões de Bolsonaro têm tido peso zero nos ministros que o ignoram, na Justiça que derruba suas decisões, nos governadores e prefeitos que o contrariam, nas empresas servidoras de redes sociais que apagam suas mensagens, nos panelaços diários, na maioria da sociedade que não lhe dá ouvidos e, podendo, fica em casa.
No panorama de hoje, Bolsonaro pode dar adeus à reeleição para se concentrar na permanência no cargo até 2022
O perigo mora na minoria que embarca na canoa temerária do presidente e sai por aí pondo em risco a vida dos outros. Como mostrou várias vezes não levar o valor humanitário em conta (até que lhe doam os calos eleitorais ou seja pessoal e gravemente atingido pela doença), por vontade própria Jair Bolsonaro não vai parar. Ensaia recuo para ganhar tempo, como fez no pronunciamento de 31 de março, mas não desiste do confronto. É da natureza dele. Mesmo à beira do abismo, dá um jeito de prosseguir.
A boa notícia é que os desejos de Bolsonaro não se sobrepõem à força da sociedade que se encarrega de lhe impor um paradeiro. Não acontece de uma hora para outra, mas já começa a acontecer quando um ministro do Supremo pede à Procuradoria-Geral da República que examine notícia-crime contra o presidente e outro o proíbe de fazer campanha contra o isolamento, quando jornalistas fartos de ofensas abandonam uma entrevista, quando se estabelece um ambiente de desobediência cívica.
Criou-se, e vai se ampliando, o consenso de que estar do lado certo é estar do lado oposto ao do presidente da República. É um cenário inédito que já nos permite ensaiar projeções para as eleições de 2022, isso considerando que a menos danosa dessas projeções para Bolsonaro é não conseguir ser reeleito. Sim, porque ele precisa se segurar no cargo até lá antes de pensar numa reeleição que, na conta de hoje, só não estará perdida se houver uma improvável mudança radical do quadro.
Mantido o calendário eleitoral deste ano e realizadas as municipais em outubro, mesmo já tendo passado a fase crítica os efeitos da crise ainda estarão sendo sentidos pela população, o que evidentemente fará com que o tema domine a campanha. Ora, Bolsonaro, tendo se colocado na contramão das boas práticas de prevenção à disseminação do vírus e assumido, assim, a posição de protagonista-vilão, será o alvo preferencial dos candidatos e o centro das polêmicas no eleitorado.
Uma eleição que em condições normais teria como foco primordial questões locais, caso ocorra mesmo ainda em 2020, e será tomada pelo debate do enfrentamento das sequelas da pandemia, passando necessariamente pela conduta das lideranças políticas durante a crise.
Quesito esse em que Bolsonaro não terá bom desempenho. Mais que isso: apontado, antes do evento nefasto, como favorito em 2022 por falta de contendores competitivos, o presidente jogou fermento na concorrência.
Agora não faltam no horizonte adversários bem-vistos pela população. Os governadores João Doria (SP), no primeiro esquadrão dos já colocados, e Flávio Dino (MA), no time intermediário, e Luiz Henrique Mandetta e Ronaldo Caiado entre os que até então não estavam no cenário da eleição presidencial.
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Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681