No México, conta-se que as máscaras de luta livre (lucha libre, em espanhol) são uma herança da cultura ancestral dos astecas. A afirmação é metade mentira, metade verdade.
O esporte, que abusa de golpes coreografados e tem as partidas previamente combinadas, não surgiu no México, mas nos Estados Unidos. O primeiro mascarado foi o americano Mort Henderson, que inventou o personagem do Herói Mascarado (Masked Marvel, em inglês), em 1915. Depois dele, outros usaram a mesma máscara, por períodos curtos.
“O herói mascarado não era realmente um personagem, mas um truque”, escreve a antropóloga americana Heather Levi, que passou um ano e meio no México aprendendo luta livre e escreveu o livro The World of Lucha Libre, Secrets, Revelations and Mexican National Identity (Duke University Press).
Nos Estados Unidos, porém, a máscara nunca alcançou a dimensão que tem no México, para onde a luta livre foi levada nos anos 1930. “Uma das coisas que pode explicar a disseminação das máscaras no México é que já havia algum apelo por lá. Várias expressões folclóricas populares usam esse recurso“, diz Heather, por telefone.
O pioneiro com o apetrecho no México foi o lutador americano, Cyclone MacKay. Ele fez uma encomenda diferente ao sapateiro que fazia as botas dos participantes e pediu “um capuz, alguma coisa para colocar, tipo Ku Klux Klan ou algo do tipo”.
O segundo foi O Morcego (El Murciélogo, em espanhol), que abria um saco de morcegos dentro do estádio.
A onda se alastrou com a moda dos super-heróis mascarados dos quadrinhos. Em 1955, segundo Levi, dúzias de lutadores mexicanos já escondiam o rosto por trás de um pano colorido.
Hoje, a máscara é usada por entre metade e dois terços dos lutadores mexicanos.
Quando ainda estão treinando para o ofício, eles já começam a desenhar suas fantasias e a pensar na peça que irão usar no rosto quando se tornarem profissionais. A preparação dura três anos. Depois de aprovados em um exame, eles registram o personagem e o nome de guerra em uma comissão. Isso, claro, pode mudar quando eles são contratados por uma empresa, as organizações que organizam os combates.
Segundo os lutadores que não usam máscara, o motivo para que os outros a vistam é que eles precisam esconder a feiura. É uma provocação, claro. “Eu já vi o rosto de muitos mascarados e eles não são mais ou menos bonitos que os outros mexicanos”, diz Heather.
Para que a tese fosse verdadeira também seria necessário que aqueles que não a usam fossem sempre agradáveis à vista, o que não é certo.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=_Lxy4yKd5BI?feature=oembed&w=500&h=281%5D
A peça também dá um ar de mistério e de mágica aos que a utilizam. É como se eles não fossem desse mundo e tivessem poderes especiais. “Com as máscaras, o público sabe que não são tipos sociais se enfrentando, e sim toda uma cosmologia, que inclui deuses, forças da natureza, animais e super-heróis. É como se eles não fossem humanos”, diz Heather.
A máscara, por fim, oculta a identidade real dos lutadores, o que pode ser útil quando eles ainda não alcançaram a fama. Muitos deles têm profissões triviais, são pedreiros ou camelôs. Participar na luta livre para eles é um complemento de renda ou uma maneira de ganhar alguma ascensão social ou, no caso das mulheres, escapar dos problemas familiares;
Aproveitando: na luta livre, não se usa catchup, molho de tomate ou sangue de galinha para simular ferimentos. Em geral, são feitas incisões nas testas dos lutadores. Durante a luta, eles batem com força nos cortes recentes para abri-los. O sangue é de verdade. A porrada, não. “Lutadores às vezes ganham um dinheiro extra para sangrar”, escreve Levi.