Por que tem tanto canhoto nos Estados Unidos?
Dos últimos sete presidentes americanos, cinco preferiam a mão esquerda, incluindo Barack Obama. Trump é destro
Dos últimos sete presidentes americanos, cinco eram canhotos: Barack Obama, George H. W. Bush (o pai), Bill Clinton, Ronald Reagan e Gerald Ford.
Donald Trump, que assume em janeiro, é destro.
Em alguns estados americanos, as porcentagens de canhotos estão entre as mais altas do planeta. No Maine eles são 13,7%. Delaware, 13,5%. Em Massachusetts, 13,2%. Nova York, 12,8%.
São números bem acima dos países ibéricos (9,6%), Polônia (8,6%), Emirados Árabes Unidos (7,5%), Rússia (6%), Índia (5,8%), Sudão (5,1%).
O Brasil fica na lanterninha com o Japão, com 4%.
Uma das explicações para essas diferenças é a pressão social. Os canhotos são vítimas de preconceito e discriminação no mundo todo.
Em 72% das línguas, o termo usado para direita é visto como algo positivo, e esquerda, negativo. O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre ser gauche na vida. “Gauche” é esquerda em francês e quer dizer desajeitado, torto, às avessas. Em latim, esquerda é “sinistro”, azarado. Em português, pode querer dizer ameaçador, temível, estranho, suspeito. Nas corretoras de seguros, sinistro é sinônimo de acidente. Nos demais 28% idiomas, direita e esquerda são vistos de maneira neutra. Nunca a esquerda é valorizada.
Nos costumes, a esquerda também não se sai bem. No mundo árabe, as pessoas são ensinadas a comer com a mão direita, mais nobre. Para limpar o traseiro, elas usam a esquerda.
Um dos lugares em que essa pressão se faz mais presente é nas escolas, onde muitos alunos são forçados a escrever com a direita.
No Brasil, um estudo feito pela psicóloga Clare Porac e publicado em 2007 mostrou que 9,5% dos canhotos escreviam com a mão direita. Apesar disso, eles preservavam algumas características, como a de bater pênaltis com o pé esquerdo. “A coerção física, como bater ou tirar objetos da mão esquerda (das crianças), repreender ou ridicularizar o uso da mão esquerda e encorajar o da direita estão entre as descrições mais comuns“, escreveu Clare, autora do livro Laterality, lançado no final de 2015.
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A influência na escola costumava ser mais impiedosa no Oriente, onde os canhotos foram proibidos de frequentar os colégios até 1970.
Nas escolas do Japão apenas 2% das crianças usam a mão esquerda para escrever. Nesse país, mulheres escondiam dos seus maridos que eram canhotas, com medo de ser rejeitadas.
Na Europa, algo parecido aconteceu durante a era vitoriana (1837-1901). Até então, quando a sociedade era rural, não era relevante saber com qual mão uma pessoa pegava a enxada ou uma pá. Com a chegada das máquinas e ferramentas com a Revolução Industrial, os canhotos passaram a chamar a atenção porque tinham dificuldade no manuseio de válvulas, botões e alavancas.
O pior momento para eles na Europa foi na virada do século XIX para o XX. Para os que nasceram antes de 1910, a porcentagem de canhotos era de nanicos 3%. Nessa época, no Reino Unido, professores e pais colocavam uma tira de couro, com cinto e fivela, para impedir a todo custo que os canhotos usassem a mão esquerda.
Nos Estados Unidos de hoje, a porcentagem dos canhotos é elevada porque essa coerção social é fraca. A dependência e a obediência das crianças aos pais e professores em relação à transmissão de valores culturais não é tão expressiva. Há mais liberdade.
Outra coisa interessante é que, em vários países, essa pressão social foi impressa no código genético.
Isso aconteceu principalmente nas sociedades pequenas do século XIX, onde o transporte era difícil e todo mundo se conhecia. “Em um mundo assim, qualquer constrangimento, zombaria ou estigmatização dos canhotos, seja por escreverem de outro jeito ou por não terem habilidade técnica, poderia resultar em casamentos e nascimentos de filhos sendo adiados por cinco ou dez anos. Assim, o número de descendentes dos canhotos era reduzido“, escreveu o psicólogo inglês Ian Christian McManus, autor do livro Right Hand, Left Hand (Phoenix).
De fato, pesquisadores já notaram que casais compostos por dois canhotos tem 2,32 filhos, comparados com 3,1 filhos quando os dois são destros.
Os canhotos, portanto, têm famílias menores, mas há outro ponto importante. Eles têm uma chance maior, segundo a genética, de terem filhos com a mesma característica. E destros têm maior probabilidade de terem filhos destros. Esses dois fatores, atuando em conjunto, fazem com que a quantidade de canhotos em uma população seja menor. Simultaneamente, o gene responsável por essa qualidade se torna mais raro.
À medida em que as superstições e os preconceitos diminuem e os professores e pais são orientados, as porcentagens de canhotos sobem. Porém, para chegar ao valores máximos, como os que podem ser constatados nos Estados Unidos, é preciso aguardar algumas gerações.