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É Tudo História

Por Amanda Capuano Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
O que é fato e ficção em filmes e séries baseados em casos reais

Bingo x Bozo: o que é real e o que é ‘palhaçada’ no filme

Longa inspirado na vida de Arlindo Barreto, o intérprete mais famoso do personagem, mistura fatos verdadeiros, recursos dramatúrgicos e ecos dos anos 1980

Por Leandro Nomura
Atualizado em 25 ago 2017, 08h15 - Publicado em 25 ago 2017, 08h15

Na década de 1980, o Bozo reinou no picadeiro nacional. E, de todos os nove atores que interpretaram o personagem entre 1980 e 1991, primeiro na TVS e depois no SBT, como foi rebatizado o Canal 4, de Silvio Santos, o mais conhecido deles foi e é, de longe, Arlindo Barreto, que deu vida a Bozo entre 1982 e 1987.

Não é por menos. Por trás do sorriso pintado de vermelho, havia um ator angustiado e fragmentado entre o amor pelo palco e pela família de que se distanciava à medida que fazia sucesso, e entre a fama do personagem e o próprio anonimato. Ser líder de audiência custou caro a Barreto – que pagou com dependência química, uma sucessão de polêmicas e o distanciamento do filho.

Essa história de ascensão e queda foi a inspiração para o filme Bingo – O Rei da Manhã, primeiro longa do diretor Daniel Rezende (montador de Cidade de Deus e de Tropa de Elite). Mas nem tudo é real no roteiro assinado por Luiz Bolognesi, autor do script de Elis, Como Nossos Pais e Bicho de Sete Cabeças. O texto mistura fatos verdadeiros, recursos dramatúrgicos e ecos dos anos 1980.

Para distinguir o que é verdade do que é ficção, VEJA entrevistou Bolognesi, Barreto e o coprodutor e idealizador do longa, Dan Klabin. Eles comentam 15 pontos do longa. Confira abaixo:

 

 

Amor de diretora

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Leandra Leal como a produtora e diretora Lúcia (Reprodução/Divulgação)

No filme, Augusto (Vladimir Brichta) conhece a produtora e diretora de TV Lúcia (Leandra Leal) nos testes para o papel de Bingo, palhaço americano importado pela TVP (TVS) para dar corpo à sua programação infantil. Com o tempo, a relação dos dois passa do profissional para o pessoal. Durona e evangélica, ela é o porto seguro do ator no momento em que ele se perde nas drogas e no álcool. Na vida real, Arlindo Barreto se casou com Elisabete Locatelli, produtora do programa, que também era religiosa e rígida. Ela foi a responsável por ajudá-lo no momento em que se afundou no vício. Entretanto, ela era apenas produtora, e não diretora. “Lúcia tem uma base real, mas nós a transformamos em uma diretora para que a trama ficasse mais picante, tensa e dramática. Ela não estava ligada à tomada de decisões. A gente deu uma glamourizada”, diz o roteirista, Bolognesi.

 

 

Filho da fama e do ocaso

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Vladmir Brichta e Ana Lucia Torre em cena de ‘Bingo’ (Reprodução/Divulgação)
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Barreto é filho da atriz Márcia de Windsor (1933-1982), que fez sucesso na década de 1960 por seus papeis em novelas da Globo como O Sheik de Agadir e A Sombra de Rebecca. No entanto, no final da vida, ela fazia apenas papeis menores e participações como jurada no programa de Flávio Cavalcanti, o grande rival de Silvio Santos à época. “A mãe do Arlindo foi um ícone da TV, que aos poucos perdeu sua posição na hierarquia artística. Passou de realeza a desempregada”, diz o co-produtor Dan Klabin.

No filme, Augusto é filho de Marta (Ana Lúcia Torre), uma atriz que já teve seus dias de glória e agora vive do passado – e de atuações como jurada em um programa de auditório. Há um momento no roteiro em que ele entra em combate com executivos da antiga emissora da mãe, a TV Mundial (a Globo do universo de Bingo), e os expulsa de um recinto para defender Marta. O embate de fato ocorreu. Mas, diferentemente do que mostra o filme, não houve barraco.

 

 

Na sombra da ex

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Tainá Müller condensa duas mulheres de Arlindo em uma, Angélica (Reprodução/Divulgação)

Arlindo Barreto foi casado com Angelina Muniz, atriz que fez diversas novelas na Globo nos anos 1980, como Vereda Tropical (1984) e Sassaricando (1987), e mais recentemente Bang Bang (2005), e continua na ativa – ela participou de Os Dez Mandamentos e está em Belaventura, ambas da Record. Ela também foi capa de três edições da revista Playboy. Nos idos da década de 1970 e 80, Angelina contracenou com Barreto em pornochanchadas como O Inseto do Amor (1980) e As Borboletas Também Amam (1979). Quando Augusto encontra a ex, Angélica, nos estúdios da TV Mundial (a Globo do filme), chega a brincar sobre isso. “Olha nós de novo juntos, agora com roupa.” Mas, diferentemente do que mostra o longa de Daniel Rezende, o ator não teve um filho com a ex-mulher, e sim com outra atriz, Zélia Diniz, não tão famosa. Angélica, personagem de Tainá Müller, é uma mistura das duas.

 

 

Tem quem queira

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Augusto Mendes em cena em que amarga o desprezo da Mundial, a ‘dama prateada’ da TV (Reprodução/Divulgação)
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Depois de fazer somente pontas e papeis menores na Globo, Barreto saiu magoado da emissora. Ele ainda não sabia, mas sua vida viraria de ponta-cabeça pouco depois. Mas não houve confusão nem gritaria na despedida. A cena do filme que mostra Augusto deixando a TV Mundial de cueca vermelha é ficção.

 

 

Teste de fogo

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Cena do teste para o palhaço Bingo, nos bastidores da TVP (Reprodução/Divulgação)

Arlindo Barreto já fazia participações em humorísticos do SBT antes de se candidatar ao posto do palhaço que mudaria a sua vida. Nos bastidores da emissora, ouviu falar de colegas que foram escrachados nos testes para o Bozo pelos produtores gringos, donos do formato do programa infantil. Barreto resolveu se arriscar, e, assim como no filme, arrancou gargalhadas da equipe ao fazer piadas, em português e com malícia, com o produtor americano, que não entendeu nada e o aprovou. “Ele tirou sarro, mas não com aquelas palavras, com aquela contundência pornográfica”, diz Bolognesi. Barreto também não foi o primeiro Bozo, como o filme dá a entender. Foi o segundo. A primeira pessoa a interpretar o palhaço foi Wanderley Tribeck, de 1980 a 82. Tribeck também afundou no álcool e nas drogas e, da mesma forma que Barreto, hoje é evangélico.

 

 

Famoso e anônimo

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Augusto Mendes sem a maquiagem de Bingo: ele mal se reconhece no espelho (Reprodução/Divulgação)

O contrato com o SBT realmente proibia Barreto de revelar que ele era o Bozo, o que, para um ator que busca o sucesso, é cruel. “Foi um drama. Ele era um campeão de audiência e não podia ser reconhecido na rua”, conta Bolognesi, que, para sintetizar a situação, criou a cena em que o ator, sem maquiagem e sem fantasia, é barrado em uma premiação. O roteirista não chegou a falar com o filho de Barreto para saber se ele de fato não contava aos amigos da escola sobre o trabalho do pai. “É criação nossa.” Já o ator diz que o filho não revelava a ninguém a sua profissão, mas não por obediência ao contrato. “Se ele dissesse no colégio que era filho do Bozo, com certeza sofreria bullying.”

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Estágio no circo

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A companhia La Mínima, de Domingos Montagner, que marcou presença no filme (Reprodução/Divulgação)

Percebendo a dificuldade de interpretar o Bingo, Augusto faz estágio no circo com o palhaço Aparício (Domingos Montagner), o que de fato aconteceu. “Arlindo foi para o circo aprender a ser palhaço. Alugou um trailer e ficou morando alguns meses por lá”, diz Bolognesi.

 

 

Uísque, o guru

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Augusto Mendes, como Arlindo Barreto, era chegado num goró (Reprodução/Divulgação)

A frase “70% é inspiração, 30% é uísque” é criação do roteirista. Barreto costumava dizer: “É preciso de 90% transpiração, 5% de fé e inspiração e 5% de saber aproveitar as boas oportunidades”. Ele podia alucinar, mas tinha ao menos um pé no chão.

 

 

Conga, Conga, Conga

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Arlindo Barreto teve mesmo um chamego com Gretchen (Reprodução/Divulgação)
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Arlindo Barreto e Gretchen realmente tiveram um relacionamento, mas foi antes de ele assumir o papel de Bozo e foi mais duradouro do que a rapidinha do filme. A cena de sexo em um banheiro, portanto, é invenção. Já a participação dela no programa é real.

 

 

Estouro de audiência

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O Bozo fez a Globo comer poeira, para delírio de Silvio Santos (Reprodução/Divulgação)

O programa do Bozo foi líder de audiência no SBT. Para comemorar o feito, Barreto pediu para as crianças do auditório gritarem: “Primeiro! Primeiro! Primeiro!”. Ele também fez uma provocação ao vivo aos executivos da Globo. Tudo isso está no filme, além de uma cena em que o palhaço pisoteia uma boneca loira, uma referência clara a Xuxa – o que ninguém confirma se aconteceu.

 

 

Alô, palhaço!

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O telefone foi um canal de alegrias e palavrões (Reprodução/Divulgação)
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Como o programa era ao vivo, o Bozo recebia ligações de crianças, que conversavam com ele e participavam de provas como a corrida de cavalinhos. Assim como em Bingo, algumas aproveitavam a oportunidade para mandar o palhaço para aquele lugar. Dan Klabin, o co-produtor, e Luiz Bolognesi, o roteirista, contam que, no processo de pesquisa para o longa, encontraram pessoas que disseram estar assistindo ao programa quando as cenas foram ao ar. Mas, diferentemente do que aparece no filme, o filho do ator nunca telefonou para o programa para reclamar de o pai esquecer seu aniversário.

 

 

Sangue no nariz

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Arlindo Barreto de fato foi usuário de cocaína (Reprodução/Divulgação)

No filme, Augusto Mendes perde o emprego quando uma gota de sangue escorre do seu nariz, ao vivo. Ele havia acabado de cheirar uma carreira de cocaína no camarim. Arlindo Barreto de fato usava a droga e abusava do álcool, vícios que ele diz ter contraído depois de se separar e perder a mãe. Mas nega ter usado qualquer coisa dentro do SBT.  “Consumir drogas dentro da televisão, isso eu nunca fiz”, afirma o ator, que também nega ter sido demitido. Segundo Barreto, foi ele quem pediu para sair. “Ele estava em conflito com a direção por causa do seu excesso de loucura. Mas, de fato, jamais sangrou no palco. É invenção nossa”, admite Bolognesi.

 

 

Pai e filho

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Arlindo Barreto teve problemas de relacionamento com o filho e a mãe do menino (Reprodução/Divulgação)

Em uma das cenas mais fortes de Bingo, Augusto se embriaga na presença do filho Gabriel (o ótimo Cauã Martins). Ao ver o pai desacordado, o menino decide provar o uísque que sobrou em seu copo e passa mal. A mãe do garoto, Angélica, entra na Justiça e Augusto é proibido de se aproximar da criança até provar que está há seis meses sem beber. De fato, Barreto tinha problemas com a mãe de seu filho com relação aos cuidados com o garoto. Entretanto, de acordo com Bolognesi, a cena da criança com a bebida e a ordem judicial nunca existiram. Ele nunca foi proibido de ver o filho. “Foi um recurso de dramaturgia”, diz.

 

 

Acesso de raiva quase letal

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Em um momento de delírio, Augusto Mendes viu a si mesmo na TV, embora já estivesse fora do ar (Reprodução/Divulgação)

No auge do alcoolismo, um delirante Augusto Mends, em crise por ter perdido o emprego, vê a si mesmo na TV e quebra o aparelho com a mão, ao dar um soco na tela. Ao afundar o braço no televisor, ele corta o pulso e quase morre, sozinho, em casa. Na vida real, o acidente aconteceu no banheiro e não na sala. Barreto quebrou o box, se cortou e quase morreu. “Foi um surto psicótico”, diz Klabin. Ficar entre a vida e a morte e ser acolhido pela produtora, que era evangélica, foram estímulos para o ator procurar refúgio na religião. “Foi relevante para mudar de vida. Depois disso, ele encontrou na igreja uma forma de continuar no palco”, conta Bolognesi.

 

 

Passagem do tempo

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Augusto Mendes e seu Opala alaranjado (Reprodução/Divulgação)

No filme, entre o momento em que Augusto Mendes começa a interpretar o palhaço Bingo e a sua demissão, o seu filho praticamente não envelhece, dando a entender tudo se passou em um período curto. No entanto, Barreto ficou na pele de Bozo por cinco anos, de 1982 a 1987. “Fizemos adaptações para ficar concentrado. Foi uma liberdade narrativa”, diz Bolognesi.

 

 

 

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