*O texto tem spoilers de Invocação do Mal 3
As investigações paranormais de Ed e Lorraine Warren, vividos por Patrick Wilson e Vera Farmiga, ganharam mais um episódio com Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio. O filme que chegou recentemente aos cinemas retrata o caso de Arne Cheyenne Johnson (Ruairi O’Connor), um jovem de 19 anos que, em 1981, alegou ter matado seu senhorio, Alan Bono, influenciado por forças demoníacas. Essa foi a primeira vez na história dos Estados Unidos que uma possessão foi usada como defesa em um tribunal. Os Warren logo entraram no caso e se dedicaram a provar, perante a Justiça, que Arne falava a verdade. Confira o que é fato e o que é ficção no terceiro e horripilante filme da saga:
O casal Warren
Todos os casos que inspiraram os filmes da trilogia Invocação do Mal são baseados nos registros do casal americano, que de fato existiu. Ed Warren (1926-2006) dizia que era um demonologista e sua esposa, Lorraine (1927-2019), afirmava ter clarividência. A relação entre os dois conduz a franquia e é retratada, até certo ponto, de maneira fiel. Detalhes como as alegações feitas por uma mulher chamada Judith Penney, em 2013, de que ela teria tido um caso de quatro anos com Ed, desde a adolescência, e que ele abusava de Lorraine, ficaram de fora da trama — por fugir ao paranormal proposto pelos filmes e por questões contratuais. Os Warren investigaram casos célebres, como o da casa mal assombrada da família Perron, do Poltergeist de Enfield, e de Amityville, tramas exploradas pelo cinema e pelos tabloides.
O exorcismo de David Glatzel
A família Glatzel estava prestes a se mudar para uma nova casa no estado americano de Connecticut. No local, junto de sua irmã mais velha Debbie (Sarah Catherine Hook) e do namorado Arne, o filho mais novo da família, David (Julian Hilliard), disse ter visto uma entidade sobrenatural, um homem com a pele carbonizada, de barba branca, jeans e camisa de flanela. A suposta aparição empurrou a criança em um colchão d’água e avisou que faria mal a família se eles se mudasse para a casa. Depois deste evento, o menino continuou a ser atormentado pela assombração. Não demorou muito para que os pais de David buscassem ajuda. Assim como no filme, os Glatzel realmente recorreram ao casal Warren para ajudá-los no exorcismo de David, além de pedirem auxílio de padres para abençoar a casa. Diferentemente do longa, no qual Ed e Lorraine participaram de um grande exorcismo, com direito a sequências agonizantes, na vida real os demonologistas supervisionaram três sessões menores. Arne estava presente durante esse momento e, segundo uma declaração de Lorraine para o New York Times na época, ele realmente pediu para o demônio deixar o corpo de David e possuí-lo. A cena também apresenta traços baseados em depoimentos de testemunhas da época — totalmente intensificados, é claro —, como alegações de que David teria levitado.
Ataque do coração sofrido por Ed
Durante o exorcismo de David, o demônio que possuía o garoto parte para cima de Ed e diz que fará o coração dele parar de bater. Logo em seguida, o demonologista tem um ataque cardíaco e vai parar na UTI. Ed não teve um problema de coração causado por esse exorcismo especificamente, mas durante os anos 1980, segundo o USA Today, ele teve sucessivos ataques cardíacos que o deixaram debilitado e até em uma cadeira de rodas. Em Invocação do Mal 3, Patrick Wilson passa a tomar remédios e também começa a andar com uma bengala. O verdadeiro Ed nunca deu declarações atrelando seus problemas de saúde a investigações paranormais ou exorcismos, mas o longa decidiu incorporar esse fato a trama.
O assassinato de Alan Bono
Arne assassinou seu senhorio a facadas e foi encontrado, coberto de sangue, por policiais em uma estrada, alegando não se lembrar de absolutamente nada. A maneira como o filme retrata as circunstâncias da morte de Alan Bono, que no cinema foi chamado de Bruno Saul (Ronnie Gene Blevins), é bem próxima da história real. Ele era chefe de Debbie, que trabalhava em um canil, e os três eram amigos. De acordo com o que foi alegado pela defesa no tribunal, Arne já andava apresentando um comportamento estranho. Ele realmente discutiu com Bono, que estava bêbado no momento, resultando no assassinato. A parte que mais foge dos registros da época é a sequência horripilante do crime em si, amparado pelo roteiro que preza mais pelo sobrenatural em detrimento dos fatos. Apenas alguns detalhes mais específicos ficaram de fora, como as demais testemunhas do assassinato, caso da prima de Debbie e das duas irmãs de Arne.
Advogada defende Arne após ver a boneca Annabelle
Meryl (Ashley LeConte Campbell), a advogada de Arne Johnson, acha um absurdo defendê-lo da acusação de homicídio alegando possessão demoníaca — afinal, ela não acreditava no capiroto. Com o objetivo de convencê-la e provar a existência do sobrenatural, os Warren a convidam para conhecer Annabelle, a boneca infame do universo de Invocação do Mal que tem sua própria franquia. Há um corte e na cena seguinte a advogada aparece, como quem viu um fantasma, defendendo o jovem nos tribunais. Em entrevista ao USA Today, o diretor, Michael Chaves, comentou que esse foi um pequeno detalhe criado para justificar a decisão de Meryl de ir em frente. A boneca sequer aparece para aprontar alguma travessura sobrenatural, apenas é citada pelos Warren. Na vida real, o advogado de Arne Johnson, Martin Minnella, usou citações sobre casos judiciais britânicos de possessão demoníaca para montar a defesa do jovem.
Seitas satânicas, ocultismo e totem de bruxas
A grande investigação paranormal que guia o filme, e arrepia os pelos da nuca dos espectadores, não aconteceu na vida real. No longa, após Arne matar Bruno Sauls e ser preso, Ed e Lorraine analisam a casa dos Glatzel e encontram uma espécie de totem de bruxa no local. O casal descobre que o demônio que estava em David e foi passado para Arne faz parte de uma maldição feita por uma bruxa ocultista que precisa sacrificar almas. Essa virada do roteiro foi totalmente inventada, mas possui uma leve inspiração na realidade e no contexto dos Estados Unidos na época do caso, em 1981. O diretor contou, em entrevista ao USA Today, que quis explorar no filme a histeria do Satanic Panic (Pânico Satânico), período no qual as pessoas estavam envolvidas pelo medo da suposta existência de demônios e seitas satânicas graças aos vários casos de desaparecimento, abusos e mortes que foram relacionados — de forma totalmente deturpada — a rituais, bruxaria e ocultismo no país.
Lorraine Warren ajudou a polícia com sua clarividência
Ao longo do filme o caso de Arne acaba se cruzando com outro: o assassinato de Katie Lincoln (Andrea Andrade) e o desaparecimento de sua amiga, Louise Strong (Ingrid Bisu). Os Warren logo atestam que as duas histórias estão interligadas pela bruxa ocultista. Graças a Lorraine, a polícia descobre que Katie, possuída pelo mesmo demônio que Arne, matou Louise e, logo em seguida, se jogou de um penhasco. Apesar dessa história paralela ser só ficção, ela tem um pé na vida real já que Lorraine realmente emprestou suas habilidades de clarividência para a polícia durante a década de 1980 com o objetivo de ajudar em diversos casos de jovens desaparecidos. O Departamento de Justiça até chegou a publicar, em 1989, um guia detalhado sobre como trabalhar com médiuns e clarividentes.
O desfecho do caso
A odisseia percorrida pelos Warren para livrar Arne da maldição da bruxa ocultista deu certo no filme, mas não foi o suficiente para livrá-lo da cadeia. Assim como na vida real, o juiz Robert J. Callahan rejeitou a defesa que alegava possessão demoníaca, condenando o jovem de dez a vinte anos por homicídio culposo em primeiro grau. Ele cumpriu quase cinco anos e foi liberado por bom comportamento. Anos depois, a história ganhou mais capítulos intensos, mas que ficaram de fora da adaptação para as telas. Em 2016, Carl Glatzel, irmão de David, que ficou de fora do filme, processou Lorraine alegando que tudo não passou de uma farsa. Em entrevista ao Associated Press, ele disse que o irmão mais novo sofria de doenças mentais e que os Warren inventaram essa história de possessão demoníaca para lucrar às custas da família.