Bolsonaro e a redação do Enem
Vale a pena gastar centenas de milhares de reais a cada ano para corrigir redações que não impactam na melhoria do ensino da Língua Portuguesa?
Se o governo do presidente Jair Bolsonaro fosse vingativo, o tema da redação do próximo Enem bem poderia ser “patriotismo”. A correção seria feita por professores dos colégios militares. E ganharia zero quem criticasse a ideia. Feitiço contra o feiticeiro!
A realidade eleitoral deixa claro que os brasileiros mais escolarizados votaram proporcionalmente mais em Bolsonaro do que em Haddad. Portanto, parece que não deram certo as (supostas?) tentativas de ideologizar a educação e a redação. Quer venham da direita ou da esquerda, num regime democrático, essas tentativas de controle ideológico dos alunos têm perna curta: isso só funciona, e muito mal, em regimes autoritários.
Questões ideológicas à parte, qual será o futuro da redação do Enem? Vejamos o que diz a experiência.
Sabemos que não houve evolução das notas de Língua Portuguesa nesses vários anos de aplicação do Enem. As notas do teste de Língua Portuguesa (ou Linguagens, como preferem nossos doutos educadores) são comparáveis de um ano para o outro. Mas as notas de redação não o são. Portanto não sabemos se houve melhoria no ensino da redação. Nem sabemos se houve melhoria na qualidade da redação dos alunos. E indiretamente sabemos, pelo Pisa, que os alunos que chegam ao ensino médio não têm evoluído em suas competências linguísticas.
O que fazer com um teste desta natureza? Vale a pena gastar centenas de milhares de reais a cada ano para corrigir redações que não impactam na melhoria do ensino? Quem ganha com isso?
Poucos são os países do mundo que aplicam provas de redação em circunstâncias semelhantes – a França, com uma população bem menor do que a nossa, é um deles. Alguns países adotam redação circunstancialmente e para grupos muito menores.
Não resta dúvida que, junto com a leitura e interpretação de textos, o ensino e a prática da redação devem constituir atividade primordial no ensino, inclusive no ensino médio. Mas há várias maneiras de apurar se os alunos sabem escrever – da mesma forma que há várias maneiras de apurar se eles são capazes de compreender o que leem. E, certamente, há maneiras muito mais simples, baratas e objetivas de fazê-lo.
Ao que parece, a redação no Enem cria mais problemas do que contribui para a melhoria da qualidade do ensino da língua. As exigências formais criadas são inúmeras, e os vieses pedagógicos e os espaços para vieses ideológicos são enormes.
Por que não simplesmente abolir a redação no Enem e utilizar instrumentos mais eficientes para estimular e avaliar a qualidade do domínio da língua dos alunos do ensino médio?