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A prova de fogo da estrela Demi Moore no dilacerante ‘A Substância’

Atriz brilha como uma mulher que se submete a um procedimento misterioso para rejuvenescer — um terror surpreendente, com críticas ácidas

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 set 2024, 14h04 - Publicado em 20 set 2024, 06h00

São muitas as semelhanças entre Demi Moore e a personagem vivida por ela no excelente filme A Substância (The Substance, Reino Unido, 2024), em cartaz nos cinemas. Musa de Hollywood nos anos 1990, Demi era o epítome da beleza e do sucesso: casada com o astro Bruce Willis, ela estrelou filmes badalados, do romântico Ghost (1990) ao sensual Striptease (1996). Como ditava a regra entre celebridades, porém, ao chegar aos 40 anos de idade — e divorciada — a atriz americana perdeu valor de mercado e foi relegada a papéis menores e irrelevantes. Trajetória similar segue a protagonista de A Substância: Elisabeth Sparkle é amada e premiada, até se ver diante do destino melancólico da fama para uma mulher madura. Sem o prestígio de outrora no cinema, Elisabeth apresenta um programa fitness de mau gosto na TV — e acaba demitida.

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Na trama criada e dirigida pela francesa Coralie Fargeat, Elisabeth se arrisca a fazer um procedimento estético para lá de extremo: uma droga injetável que se anuncia capaz de transformá-la em uma versão mais jovem de si mesma. Não se trata, contudo, de uma poção rejuvenescedora, mas de uma duplicação: numa cena que palavras não são capazes de descrever, outra pessoa sai de dentro de Elisabeth, a jovial e sexy Sue, interpretada com vigor por Margaret Qualley. A pegadinha está no fato de que as duas versões precisam aprender a coexistir — enredo que poderia pender para reflexões filosóficas enfadonhas, mas que entretém com louvor, mesclando terror, ficção científica e um humor de acidez sulfúrica. “É um filme sobre a dificuldade de não se aceitar como você é”, disse Demi em entrevista a VEJA (leia a entrevista aqui).

As similaridades entre a atriz de 61 anos e a fictícia Elisabeth acabam aí. Não só pelo motivo óbvio — afinal, é claro que Demi não possui uma versão sua duplicada, solta pelo mundo. Mas, sim, pelo olhar que cada uma delas exerce sobre si mesma. Elisabeth é solitária e só enxerga algum valor em si na beleza de outrora — o que faz com que ela se odeie quando não é vista como gostaria de ser.

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A OUTRA - Margaret Qualley: atriz dá vida à versão jovem e bela da protagonista
A OUTRA - Margaret Qualley: atriz dá vida à versão jovem e bela da protagonista (//Divulgação)

Demi, ainda bem, conseguiu quebrar esse ciclo a seu favor — e A Substância marca seu triunfo nessa caminhada. Apesar da longa carreira da atriz, o filme foi o primeiro a levá-la ao badalado Festival de Cannes, onde foi premiado como melhor roteiro. Demi rapidamente entrou para a lista de favoritas a uma indicação ao Oscar — honraria para a qual ela nunca foi seriamente cotada. A volta por cima na maturidade é louvável e vem acompanhada de um fator valorizado atualmente: num mundo de aparências, Demi optou pela honestidade. Em 2019, lançou o livro de memórias Inside Out (sem tradução no Brasil), no qual destrói a ideia de perfeição que a seguiu no começo da carreira.

No auge, Demi sofria de um grave distúrbio alimentar. A pressão para estar sempre magra, somada a uma infância tenebrosa com a mãe bipolar e viciada em drogas — que chegou a vender a virgindade da filha quando ela tinha 15 anos —, levou a atriz ao alcoolismo e à cocaína. Seus três casamentos, com Freddy Moore, Bruce Willis e Ashton Kutcher, terminaram de forma dolorosa. No caso de Willis, com quem tem três filhas, ela conseguiu estabelecer uma amizade após o fim da relação — laço que, hoje, a levou a morar com o ex e a atual esposa dele, com o intuito de cuidar do ator acometido pela demência. Tantas agruras ajudaram-na a ter novas perspectivas sobre o valor da vida e a efemeridade das aparências.

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Demi demonstrou coragem ao mergulhar em A Substância sem pudor. Classificado como um body horror, gênero de ficção que faz do físico humano instrumento de terror, o filme é abundante em cenas de nudez. A cada atriz coube sua parcela de desafios. Margaret precisou encarnar a dura ideia de perfeição de um corpo jovem e torneado e de um rosto liso que nem parece ter poros. Demi, por sua vez, deixou à mostra os sinais de uma vida, como rugas, estrias, seios e nádegas flácidos. A atriz ainda passa por transformações absurdas até o final, com deteriorações acarretadas pelo procedimento — preço que ela paga de forma excruciante pelo direito de viver alguns momentos no corpo de Sue. “Fazer um filme de terror é muito mais difícil do que eu imaginava”, conta Demi, feliz pela experiência inédita na carreira. A loba está soltinha — e pronta para correr sem amarras por aí.

Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911

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