O cineasta israelense Amos Gitaï é figura carimbada em grandes festivais de cinema europeus, além de boas mostras no Brasil. Recentemente, exibiu no Festival do Rio o filme Uma Noite em Haifa, agora em cartaz em diversas outras cidades brasileiras com o Festival Filmelier no Cinema, que se encerra no próximo dia 10. No longa, ambientado na cidade natal de Gitaï, no litoral de Israel, personagens dos mais variados convivem, ao longo de uma noite, em uma peculiar bolha de liberdade: estão ali israelenses, palestinos, estrangeiros, héteros e gays. A VEJA, o diretor falou sobre a produção, sua relação com o Brasil e criticou a política extremista do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, um aliado de Jair Bolsonaro. Confira:
A experiência do deslocamento, muito forte entre imigrantes, é parte essencial da sua obra e também da sua vida pessoal, já que vive entre Israel, França e Estados Unidos. Como é trazer esse tema para um filme sem cair no clichê? É uma experiência comum na história da humanidade e também nos tempos modernos por causa das guerras, dos refugiados, das pressões urbanas e econômicas, o que resultou em uma sociedade muito fragmentada. Por isso é tão fácil para políticos demagogos vencerem eleições e manipularem as pessoas. Para mim, o importante é ir além de questões identitárias. Pois, com todo respeito às diferentes religiões, grupos étnicos e nações, nós somos uma só Humanidade. Nós temos que descobrir como conectar as pessoas ao invés de distingui-las.
No filme, uma curadora de arte diz que a arte é política. No seu caso, acha que fazer arte política é uma escolha ou um dever devido ao local onde o senhor nasceu? É difícil de definir isso. Eu poderia até te devolver essa pergunta sobre ter nascido no Brasil. Somos moldados pelo lugar onde nascemos, pelo idioma, pelo som. Então é complicado se distanciar da sua origem. Mas também não somos definidos estritamente pela nossa pátria. Temos que encontrar a conexão entre nossa origem e nossos desejos, crenças e assim por diante. O problema é que o nosso individualismo não permite que haja paz porque não nos reconhecemos no outro.
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu deu início a uma cruzada para limitar o poder da Suprema Corte, o que vem causando protestos pelo país. Como analisa a política praticada por ele? Eu acho muito ruim e vocês experimentaram algo parecido recentemente. Acho que uma das razões pelas quais eu gosto do Brasil é que é um país tão esquizofrênico quanto Israel. Tanto no Brasil como em Israel existem pessoas sofisticadas, inteligentes, criativas, sensatas, mas também brutas, vulgares e bregas. É uma luta entre esses dois lados. De certa forma, você estão em uma situação melhor que a nossa.
Como assim? Bem, vocês se livraram do amigo do Netanyahu [Jair Bolsonaro]. A gente se livrou um tempo dele, mas ele voltou. O de vocês não, mas pode voltar. Mas fico impressionado com a força de vários amigos que eu tenho em Israel que estão protestando de forma vigorosa, mas não-violenta, todos os dias. São protestos com cerca de 8.000 pessoas nas ruas. Fazendo uma comparação entre a população de Israel e do Brasil, é como se 10 milhões de brasileiros estivessem protestando agora contra o governo. Não sabemos quem vai vencer, mas é importante lutar.
Qual sua posição diante desse embate? Acredita que haverá paz no Oriente Médio? Há alguns anos eu entrevistei o prefeito de uma cidade da Palestina e fiz a mesma pergunta. Ele respondeu: “Nós não podemos nos dar ao luxo de sermos pessimistas”. E eu digo o mesmo.
Uma Noite em Haifa tem personagens LGBTQI+ e vários apoiadores de Netanyahu têm um discurso abertamente homofóbicos. Acha que discursos preconceituosos aumentaram no país? O desejo de dar passos para trás é algo que está em todos os lugares. No Texas, nos Estados Unidos, por exemplo, li recentemente que um juiz quer proibir pílulas anticoncepcionais. Em Israel, Netanyahu conseguiu na reeleição o apoio de grupos extremistas e religiosos, de judeus ultraortodoxos. São pessoas reacionárias. O que posso dizer é que não vamos desistir de lutar pelo que acreditamos.
Ao longo dessa entrevista, o senhor comparou a situação de Israel com a de outros países, como o Brasil. O que ocorre no Oriente Médio então não é peculiar daquela região? É que não acho uma boa ideia transformar um conflito em uma exceção. Há 70 anos, um grupo muito esperto, os europeus, que nos deram a filosofia, a arte e uma música linda, massacraram milhões de pessoas com os piores métodos já criados na II Guerra Mundial. Até entenderem que, na verdade, eles poderiam discordar entre si, não precisavam de uma guerra tão cruel. Nós do Oriente Médio, ainda bem, estamos em um conflito mais moderado se comparado ao dos europeus – que gostam de nos dizer como devemos ou não agir. O que eu não gosto é do julgamento antecipado e do preconceito. Acho correto criticar. É um conflito terrível que está durando muito tempo e tenho a esperança que um dia acabe.