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Da tragédia à superação: vida de Christopher Reeve é tema de doc tocante

Ator voou no cinema como o Superman e ficou tetraplégico após cair de um cavalo — condição que fez dele um ativista

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 out 2024, 06h00
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  • No dia 27 de maio de 1995, o ator Christopher Reeve, conhecido por interpretar o Superman no cinema, participava de uma competição de hipismo — uma de suas várias atividades esportivas — quando seu cavalo parou no instante de um salto. A interrupção abrupta do movimento o derrubou. Um tombo que, a princípio, pareceu inofensivo: a expectativa dos presentes ao torneio era que o astro americano se levantaria de imediato do chão. Isso não ocorreu, infelizmente. Reeve fraturou as duas primeiras vértebras da coluna cervical e passou quase sete horas numa delicada cirurgia que, como o próprio diria de forma didática mais tarde, basicamente religou sua cabeça ao corpo. O ator sobreviveu, desafiando os prognósticos. Mas sua vida mudou radicalmente: ele ficou paralisado do pescoço para baixo e passou a depender de um aparelho para respirar. O acidente foi noticiado à exaustão na época. Pouco se sabe, porém, dos bastidores que marcaram aquele período no hospital, de seu esforço por anos para retomar o controle do corpo — e como tais agruras o converteram num ativista essencial em prol das pessoas com deficiência.

    APOIO - Ao lado de Dana e do filho caçula, Will: esposa foi o apoio que fez o ator escolher se manter vivo
    APOIO – Ao lado de Dana e do filho caçula, Will: esposa foi o apoio que fez o ator escolher se manter vivo (Hector Mata/AFP)

    Essa lacuna é sanada, enfim, pelo ótimo documentário Super/Man: a História de Christopher Reeve (Super/Man: The Christopher Reeve Story, Estados Unidos, 2024), que estreia nos cinemas na quinta-feira 17. “Quando o projeto chegou às nossas mãos, assim como o amplo material de acervo da família, ficamos incrédulos em saber que ainda não existia um bom filme sobre a história”, disse a VEJA o inglês Peter Ettedgui, que assina a direção do longa ao lado do suíço Ian Bonhôte. A dupla já tinha no currículo o documentário Pódio para Todos (2020), produção da Netflix sobre atletas paralímpicos, o que facilitou a aproximação deles com os três filhos de Reeve, Matthew, Alexandra e Will — o trio mantém vivo o legado do pai na instituição que leva o nome dele e de sua esposa, Dana, voltada para o bem-estar de pessoas com paralisia.

    Quando os cinco se reuniram, um detalhe essencial ficou acertado. “Decidimos que não seria mais um documentário bobo de celebridades, não colocaríamos Christopher em um pedestal”, contou Ettedgui. “Ele tinha falhas, teve uma vida complexa e pouco conhecida, e isso faz parte da pessoa impressionante que era.” A narrativa não linear do filme entrelaça o antes e o depois do acidente. Filho do intelectual Franklin D’Olier Reeve (1928-2013), o astro teve uma relação dura com o pai, um homem severo e distante. Decidiu ser ator à revelia dos protestos familiares. Entrou na escola de arte Juilliard, em Nova York, e lá recebeu um conselho inusitado do renomado ator romeno John Houseman (1902-1988), que lhe disse: “É importante que o senhor se torne um ator clássico sério, a menos que ofereçam a você muito dinheiro para fazer outra coisa”.

    SUPERAÇÃO - Após o acidente: volta ao set como diretor e luta por pesquisas
    SUPERAÇÃO - Após o acidente: volta ao set como diretor e luta por pesquisas (Pool/Getty Images)

    Com o objetivo de equilibrar esses dois caminhos num mesmo trabalho, Reeve fez testes para o papel do Superman, em uma era na qual o filão dos heróis passava longe da popularidade de hoje. Dono de um afiado senso de ética e responsabilidade, o ator abraçou o personagem com a força e a seriedade de quem encarna um Mac­beth. O resultado foi o estrondoso Superman — O Filme, de 1978, que fez dele um astro mundial. Mais três longas da saga viriam até 1987 — estes, porém, longe do mesmo impacto.

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    Reeve voltou ao teatro e fez diversos outros filmes dramáticos e menores, tentando mostrar que era mais que o homem de capa vermelha que voava na tela dos cinemas. Nessa busca, deu de cara com a aleatoriedade da vida: Reeve era alérgico a cavalos, mas quis tanto o papel do Conde Vronsky, numa adaptação de Anna Karenina (1985), que se autoinjetava anti-histamínicos durante as aulas de equitação. O esforço foi vertido em paixão — e, ironicamente, levaria a um duro golpe do destino.

    DUPLA DINÂMICA - Reeve e Williams: grandes amigos, eles se completavam
    DUPLA DINÂMICA – Reeve e Williams: grandes amigos, eles se completavam (Fotos International/Frank Edwards/Getty Images)

    Quando recuperou a consciência após o acidente, ele sugeriu à família que desligasse seu respirador. Numa entrevista a VEJA, em 2001, relembrou o momento: “O único pensamento que passava pela minha cabeça era: ‘Eu estraguei minha vida, sou um imbecil’. Diante disso, a ideia de suicídio foi uma reação natural” (leia mais abaixo). Reeve mudou de ideia ao ver a esposa Dana. Ainda no hospital, ela lhe disse: “Você ainda é você”. Mãe do filho mais novo do ator — os dois primeiros são fruto da relação de Reeve com a publicitária Gae Exton —, Dana é coprotagonista do documentário. Cantora e atriz, foi a fortaleza familiar que tentou manter um senso de normalidade em casa. “Meus pais não fizeram nossas vidas girarem em torno da tragédia”, conta Will, hoje apresentador de TV. “Foi difícil e desafiador, mas o clima em casa era de alegria, amor e trabalho.”

    Quem ajudou, e muito, a criar esse ambiente foi o ator Robin Williams (1951-2014), que conheceu Reeve antes da fama e se tornou seu melhor amigo. “Chris era uma rocha, inteligente e confiável. Já Robin tinha um senso de humor anárquico. Eles se completavam”, diz Bonhôte. Quando estava no hospital, pouco após o acidente, Reeve recebeu a visita de Williams, que entrou no quarto disfarçado de proctologista, dizendo que faria um exame bem invasivo — arrancando assim a primeira risada do amigo em meio à dor. “O fato de Robin não ter abandonado nosso pai é algo que nos inspira”, afirma Alexandra.

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    A filha do meio se tornou a mais envolvida na causa legada pelo pai. Reeve tinha não só o desejo, mas a certeza de que voltaria a andar. Seu esforço constante, baseado na busca por medicina de ponta e na fisioterapia, permitiu-lhe recuperar parte da sensibilidade ao toque e o controle de alguns músculos. Em busca da cura, ele entrou em uma briga política com o governo de George W. Bush, que limitou as pesquisas de células-tronco embrionárias humanas por se tratar de um tema sensível entre eleitores religiosos — em 2009, Barack Obama derrubou a proibição. Hoje, os avanços na área são dignos de ficção científica, com tratamentos promissores para pessoas com HIV, autismo, diabetes e lesões na espinha dorsal, como a que atingia o ator.

    HERDEIROS - Matthew, Alexandra e Will: filhos de Reeve também são ativistas
    HERDEIROS - Matthew, Alexandra e Will: filhos de Reeve também são ativistas (Jamie McCarthy/Getty Images)

    A produção não foge, porém, da controvérsia em torno da obsessão de Reeve pela cura: o que para ele era um sinal de otimismo, para outros cadeirantes poderia ser um desrespeito. Afinal, sem o vislumbre de uma cura e de recursos como aqueles ao alcance de um astro de Hollywood, muitas dessas pessoas almejam não mais que qualidade de vida e oportunidades. Em certo ponto, o próprio entendeu a importância desse modo de viver: antes atlético e fã de atividades ao ar livre, Reeve aprendeu o valor do silêncio e das relações profundas. Também passou a conviver com outros cadeirantes — que ressignificaram seu conceito do que é ser um herói. “Essas pessoas comuns que lutam contra grandes obstáculos é que são os heróis da vida real”, disse ele a VEJA.

    O ator ainda conseguiu voltar ao set de filmagens, só que em outra função: dirigiu dois longas-metragens, um deles sobre a história real de Brooke Ellison, que se tornou a primeira pessoa tetraplégica a se formar em Harvard. Reeve morreu em 10 de outubro de 2004, aos 52 anos, vítima de infarto decorrente de uma infecção. Um ano e meio depois, outro golpe: sua esposa Dana faleceu aos 44, de câncer de pulmão. Robin Williams adotou o filho do casal. “O luto nunca acaba”, afirma Will hoje. “O documentário é a chance de ganhar mais tempo com meus pais.” Dentro e fora das telas, Christopher Reeve foi heroico — e seu legado resiste.

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    Palavras de um lutador

    Numa entrevista a VEJA, em 2001, Christopher Reeve falou sobre as mudanças em sua vida após ficar tetraplégico. Confira os seus pensamentos.

    “Quando recuperei a consciência no hospital, o único pensamento que passava pela minha cabeça eram coisas do tipo: ‘Eu estraguei minha vida, sou um imbecil’. Diante disso, a ideia de suicídio foi uma reação natural. Esses pensamentos acabaram no primeiro encontro que tive com a minha família no hospital”

    “Gosto de me sentar próximo à janela de casa para observar os pássaros no céu e as árvores. Passo horas me deleitando com isso. Antes do acidente, nunca poderia imaginar que alguém sentisse prazer com esse tipo de atividade”

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    “O modelo do Super-Homem pode estar na cabeça do público, mas não na minha. Para mim, ele foi apenas um personagem. Muito marcante na minha carreira, mas apenas um personagem”

    Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914

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