‘Emily’: a vida misteriosa de uma escritora extraordinária
Filme retrata os últimos anos da autora inglesa Emily Brontë e preenche lacunas históricas inspirado por sua única obra: 'O Morro dos Ventos Uivantes'
As irmãs Charlotte, Emily e Anne Brontë tinham um hábito peculiar — e improvável para meninas no início do século XIX. Numa casa em ponto remoto no interior da Inglaterra, sob a dor da perda da mãe, o trio criava em parceria tramas sobre reinos distantes, com heróis e vilões infiltrados na corte. O que era um escape para a solitude se revelou uma vocação notável: as três deixaram sua marca na literatura. Charlotte escreveu o arrebatador Jane Eyre e Anne, além de exímia poeta, assinou o provocativo Agnes Grey — ambos publicados em 1847 sob pseudônimos masculinos. Mas nenhum se compara ao monumental O Morro dos Ventos Uivantes, também de 1847, único romance de Emily — que morreu doze meses após a publicação, aos 30 anos, de tuberculose. Sua breve trajetória é pintada com cores especulativas e poéticas no belo filme Emily (Reino Unido e Estados Unidos; 2022), em cartaz no país.
Interpretada com brilho por Emma Mackey (de Sex Education), Emily é uma estranha no ninho. Seu jeito soturno e sua aversão aos bons modos femininos vivem em rota de colisão com a educação cristã e conservadora recebida do pai, o pastor Patrick Brontë (Adrian Dunbar) — o qual incentivava na prole o gosto de ler e escrever. Antissocial e solteira (ao que se sabe, virgem), Emily virou um ponto de interrogação no meio literário: como uma moça provinciana criou um amor proibido tão voraz e uma sociedade tão ardilosa quanto se vê em O Morro dos Ventos Uivantes? Tais dúvidas são aplacadas pela diretora Frances O’Connor, que preencheu lacunas com possibilidades narrando a trama sob a mesma nuvem gótica e melancólica da obra de Emily.
Assim como ocorre com Catherine, a mocinha do livro, e seu irmão adotivo Heathcliff, Emily tem no filme um romance secreto e tórrido com um homem considerado parte da família: o pastor William Weightman (Oliver Jackson-Cohen). Na vida real, Weightman foi um assistente na paróquia do pai da autora — e conquistou as três irmãs com sua beleza e inteligência. O rapaz chegou a morar com os Brontë. Na trilha de cinco dos seis filhos do clã, morreu cedo de tuberculose. Antes de Emily, duas meninas e seu único irmão homem, Branwell, foram vítimas da doença — Anne se foi um ano após a irmã. Charlotte chegou aos 38 anos e morreu de febre tifoide.
Ao pai, último sobrevivente, coube a responsabilidade de promover o legado das filhas. Não precisou de muito esforço. As obras das Brontë falam por si — e resistiram ao teste do tempo. Um feito louvável para três jovens mulheres que, apesar dos pesares, encontraram vida e propósito na escrita.
Publicado em VEJA de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823
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