Filme nacional Baby celebra as famílias não tradicionais da comunidade gay
Premiada em Cannes, produção segue jovem abandonado pelos pais que se apoia em amigos e em um parceiro mais velho na vibrante cena LGBT do centro de SP

O diretor mineiro Marcelo Caetano, 42 anos, deixou Belo Horizonte e se mudou para São Paulo aos 20. Logo ele se encantou pela vivacidade do centro da cidade, região com fama de perigosa e ampla população de rua, mas que, ao mesmo tempo, é carregada de história, arquiteturas lindíssimas, entretenimento e cultura. “São Paulo me fez uma pessoa mais confiante, tanto no meu trabalho artístico, quanto em relação à minha orientação sexual e relações pessoais”, conta Caetano em entrevista a VEJA. Sua trajetória na metrópole começou como estudante de Ciências Sociais na USP, antes de seguir para o audiovisual. Aliando esses conhecimentos, ele fez o filme Baby, uma carta de amor ao centro de São Paulo e seus redutos da comunidade LGBTQIA+. Na trama, o jovem Wellington, o Baby do título, interpretado por João Pedro Mariano, deixa o Centro de Detenções e encontra sua casa vazia. Os pais abandonaram o rapaz de 18 anos enquanto ele estava preso. Agora, sozinho no mundo, encontra refúgio em Ronaldo (Ricardo Teodoro), um michê que o abriga e lhe ensina os meandros da profissão.
A relação passa longe de ser a de um cafetão e seu garoto de programa: Ronaldo assume vários papeis, de amante a mentor, até mesmo se impõe como uma espécie de figura paterna. Nessa ligação, ele compartilha com Baby não só um lugar para morar, como também seus laços afetivos – Ronaldo tem uma relação próxima com a ex Priscila (Ana Flavia Cavalcanti), com quem tem um filho, e a parceira dela, Janaína (Bruna Linzmeyer). “O filme Baby surge do desejo de discutir o conceito de família”, analisa o diretor. “Em um país como o nosso, de desigualdade econômica e preconceitos, devemos ampliar o espectro familiar. Muita gente tenta aprisionar o conceito de família, mas acho importante olharmos com generosidade para esses outros vínculos, que envolvem cuidado, moradia, afeto e também brigas e desentendimentos.”
O filme teve estreia mundial de luxo em maio do ano passado, ao ser exibido na Semana da Crítica de Cannes. Ricardo Teodoro saiu do tradicional evento francês vencedor do prêmio de melhor ator revelação. Baby também arrebatou prêmios em outras mostras gringas e nacionais, entre elas o Festival do Rio, onde dividiu o troféu de melhor filme com Malu, outra produção nacional que investiga os rearranjos do que é uma família no Brasil, ao retratar o dia a dia de uma mulher que vive em conflito com a mãe idosa e a filha que saiu de casa. Ambos os filmes ganham força por seus elencos afiados e, principalmente, pela honestidade dos roteiros – Malu adapta a história do diretor Pedro Freire com sua mãe, enquanto Baby mergulha no cotidiano testemunhado por Marcelo Caetano em sua vivência no centro de São Paulo e dentro da comunidade LGBTQIA+.

“O centro de São Paulo acolheu essa comunidade. Com esse filme, quero devolver um pouco meu amor por essas ruas”, conta o diretor, que se inspirou em histórias que ouviu de pessoas com quem convive. “Não é um filme biográfico, mas é um filme que tem essa intimidade da minha experiência. São histórias que encontrei em bares, em amigos de vizinhos, na academia. É um universo que eu respiro.”
Para além das conexões familiares, Baby, claro, ao falar de romance e prostituição, é um filme de alta tensão sexual e que filma de perto os corpos de seus personagens. “Para mim, o cinema é um espaço do desejo e do sonho. Então encontramos um meio de retratar essa realidade sem a crueza de um documentário, mas com uma linguagem que trabalhe esse erotismo. Eu gosto do calor do desejo”, afirma, bem-humorado, o diretor. Uma missão deveras cumprida. Baby estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 9 de janeiro.