Gloria Pires brilha como policial com alzheimer no thriller ‘A Suspeita’
Atriz atesta sua versatilidade ao interpretar uma mulher que precisa provar sua inocência enquanto enfrenta os obstáculos impostos pela doença
Comissária da Polícia Federal, Lúcia (Gloria Pires) volta para casa após um dia de trabalho e tenta entrar em seu apartamento. Mas há algo de errado com a fechadura. Sem sucesso, ela é surpreendida por uma mulher que destranca a porta por dentro e, confusa, indaga: “Lúcia? Tá tudo bem?”. Atordoada, a policial diz que estava distraída. Em seguida, desce as escadas do prédio até o saguão em busca de correspondências com seu nome para lembrar o número da própria casa. Liderando uma investigação criminal complexa, que envolve corrupção de órgãos públicos e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, a agente enfrenta nos bastidores um inimigo implacável: Lúcia tem Alzheimer — e se recusa a revelar o diagnóstico.
Os danos impostos pela doença à memória da protagonista são a espinha dorsal de A Suspeita, em cartaz nos cinemas. O filme nacional dirigido por Pedro Peregrino reforça uma onda de produções que se propõe a observar as adversidades da demência e de transtornos psicológicos de dentro para fora: ou seja, experimentando a confusão mental do personagem junto com ele. Caso do belíssimo Meu Pai, filme de 2020 com Anthony Hopkins, que monta um quebra-cabeça com troca de cenários e de atores para exemplificar como é a vida de um idoso com Alzheimer. Na série Iluminadas, da Apple TV+, elementos da ficção científica, como viagem no tempo e universos paralelos, são efeitos atordoantes que uma mulher sofre, sem controle, após sobreviver a uma tentativa de assassinato. Mais pé no chão, A Suspeita se ampara em cortes bruscos da edição e cenas fora de ordem para causar efeito parecido — mas é Gloria Pires quem rouba a cena.
O fim do Alzheimer: O primeiro programa para prevenir e reverter o declínio cognitivo
Veterana das novelas e protagonista de filmes cômicos, ou cinebiografias dramáticas, aqui a atriz de 58 anos atesta sua versatilidade e disposição para enfrentar desafios. “Foram duas frentes de preparo: entender a vida com o Alzheimer e a rotina de uma delegacia”, diz Gloria. O mergulho no labirinto mental da personagem tomou boa parte de sua dedicação. “Essa doença é uma batalha travada consigo mesma. É um terror psicológico.” Na trama, Lúcia vira a principal suspeita da execução de um escritor e ativista negro — caso que lembra o de Marielle Franco, assassinada em 2018. Lúcia testemunhou o crime, mas não se recorda do que aconteceu — muito menos o espectador, arrancado de uma cena para outra junto com a policial. Sua missão é encontrar os culpados e provar sua inocência. Um thriller peculiar sobre inimigos comuns e outro invisível.
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794
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