Nem Harrison Ford salva o ignóbil ‘Capitão América: Admirável Mundo Novo’
Filme da Marvel é mais uma prova do quanto o estúdio perdeu sua ousadia e criatividade

Aos 82 anos de idade, Harrison Ford não dá sinais de que planeja se aposentar – muito menos de que pretende aceitar papéis que o tratem como um idoso frágil. Como prova o filme que acaba de chegar aos cinemas Capitão América: Admirável Mundo Novo, nova produção da saga de super-heróis da Marvel. Ford interpreta o presidente dos Estados Unidos e, vejam só, o Hulk Vermelho – personagem dos quadrinhos que, quando anunciado na Comic Con do ano passado, deixou a comunidade nerd em polvorosa. Ford poderia aparecer por poucos minutos no filme, deixando mais espaço para o grandalhão vermelho computadorizado, mas não: o veterano é peça central do longa e se mantém em destaque na maior parte da história. Mas nem o carisma e o esforço de Ford ajudam a produção a decolar – e a Marvel adiciona ao seu currículo recente mais um filme esquecível e abundante de clichês.
A crise da Marvel não é de hoje: desde que entrou em sua quarta fase, em 2021, o estúdio vem caindo em bilheteria e qualidade. Atribui-se à crise uma razão óbvia: a saturação do público e o cansaço com a fórmula dos filmes de super-heróis. Mas o novo Capitão América prova que o problema está mais embaixo. O filme é o primeiro da saga do personagem patriota com o ator Anthony Mackie no protagonismo. Ele assume o escudo outrora usado por Steve Rogers (Chris Evans) e mescla suas habilidades anteriores com as novas: Mackie interpreta Sam Wilson, que era o Falcão, braço direito de Rogers. Na trama, ele deve trabalhar ao lado do presidente para unir e proteger o país. Ele intercepta a venda de um metal precioso, o adamantium, extraído da Ilha Celestial, sobre a qual diversos países querem ter controle. A missão, porém, tinha outras conexões envolvendo o presidente e um antigo desafeto – relação que pauta o roteiro.
Quatro erros que afundam Capitão América: Admirável Mundo Novo
O primeiro erro que salta aos olhos é a teia complicada de acontecimentos desse universo. Até quem assistiu todos os filmes e séries da Marvel vai se pegar tentando lembrar o que é a tal Ilha Celestial (ela apareceu lá em 2021, em Eternos). O apanhado no começo do filme tenta explicar quem é o ex-general e presidente americano vivido por Ford, enquanto ignora os meandros que levaram o Falcão a virar Capitão América – trama apresentada em detalhe na minissérie Falcão e o Soldado Invernal (2021).
A produção do Disney+, aliás, acentua o erro imperdoável do filme: sua trama genérica. Falcão e o Soldado Invernal é uma produção notável, atual e dramática, que mergulha na vida pessoal dos personagens e suas crises de autoestima, além de dilemas sociais, como o racismo – afinal, Sam Wilson é um homem negro no posto de principal herói dos Estados Unidos. A minissérie é prova de que ainda há vida inteligente na Marvel – mas ela não está mais nos cinemas.
O terceiro erro é o roteiro apinhado de clichês. As falas são sofríveis e óbvias – dá até pena de ver talentos como Ford e Mackie dando tudo de si para entoar frases como: “eu era um general de guerra, agora sou um presidente de guerra” (Ford) ou “vamos terminar isso logo, tenho compromisso mais tarde” (Mackie, quando um vilão pergunta se ele precisa de um tempo para se recuperar de um golpe).
O quarto – para resumir em apenas quatro erros, afinal, a lista poderia ser maior – é a falta de conexão do filme com o mundo atual. Um trunfo da Marvel era ser conectada com os medos do presente: da ascensão nazista ao medo de uma guerra nuclear. Capitão América: Admirável Mundo Novo não traz nenhuma palpitação com o cotidiano atual — que aliás, não anda fácil. Não se trata de esquecer do presente para priorizar o escapismo, mas sim de fazer do entretenimento um meio de envolver o público, causar emoções e reflexões. Após gastar 180 milhões de dólares na produção do filme, a Marvel espera fazer 100 milhões em bilheteria já nesse primeiro fim de semana. Missão mais difícil do que enfrentar o tal Hulk Vermelho.