Novo filme do diretor de ‘Pobres Criaturas’ vai de canibais a xamã sexual
'Tipos de Gentileza' retoma parceria frutífera entre a atriz Emma Stone e o cineasta Yorgos Lanthimos, em longa aplaudido no Festival de Cannes
Liz (Emma Stone) senta-se numa cadeira em seu closet para provar sapatos. Nenhum deles serve desde que voltou de uma viagem exploratória como bióloga marinha de um lugar bem remoto. Também começou a gostar de chocolates, e quer dominar o marido na cama. Todos os comportamentos são muito estranhos — até se tornarem estranhos demais: em determinado ponto, é plausível pensar que ela não é a verdadeira Liz, ideia que empurra o marido, o policial (Jesse Plemons), no caminho da loucura e do canibalismo. “Eu estou com fome, mas não é qualquer fome. Você poderia cozinhar seu fígado para mim? Dizem que tem muito ferro”, sugere ele, como se pedisse algo simples. E, claro, ela prontamente arranca parte do próprio fígado com a faca de cozinha, como boa cozinheira que é. Tamanha bizarrice não é lá tão estranha aos que conhecem os filmes do cineasta grego Yorgos Lanthimos, que roubou a cena no Oscar deste ano com o ótimo e nada convencional Pobres Criaturas, outra parceria do diretor com Emma Stone. Menos de um ano depois do lançamento do longa que conquistou quatro estatuetas no cobiçado prêmio do cinema, a dupla exibiu pela primeira vez nesta sexta-feira, 17, no Festival de Cannes, o filme Tipos de Gentilezas (Kinds of Kindness, no original), uma viagem pelo que há de mais inusitado nos seres humanos, dividido em três histórias que ocupam quase três horas de duração.
Como esperado, Lanthimos entregou uma combinação exótica de personagens e tramas — mas não o suficiente para chocar a plateia do festival, que aplaudiu de pé o filme por cinco minutos ao subir dos créditos. Desde o indigesto e curioso Dente Canino, de 2009, o cineasta encontrou um equilíbrio entre suas experimentações criativas e o gosto do freguês, como se nota no divertidíssimo A Favorita. Tipos de Gentileza segue essa regra: algumas cenas chocam, outras provocam nojo, ou riso, mas ninguém sai da sala sem anotar a placa do caminhão que acabou de passar. Aliás, o título mais apropriado para essa nova e estranha aventura poderia ser “Tipos de Crueldade”. Ao longo dos capítulos, o diretor explora histórias movidas por um fator em comum: os personagens desejam que algo ou alguém externo exerça poder e autoridade sobre eles, de modo que eles se sintam livres do peso da responsabilidade. Pode ser o chefe tirano, o marido ou o xamã religioso.
Em outra história, Stone e Plemon são o casal Rita e Robert, mas em uma realidade que parece ser paralela. Ambos são empregados de Raymond (Willem Dafoe), para quem devem reportar tudo o que fizeram no dia, especialmente o que comeram e se tiveram relações sexuais — e ainda aceitam que o chefe escolha tudo por e para eles, do que pedir no bar à pessoa com quem se relacionar. A terceira trama observa os bastidores de uma seita de relogiosos-sexuais. Trata-se de mais um Yorgos Lanthimos em sua melhor (e bem conhecida) forma.