Mais de seis anos atrás, os criadores da franquia Um Lugar Silencioso tiveram uma excelente sacada: se o silêncio é a peça-chave para arrepiar a espinha dos espectadores, por que não centrá-lo em uma história de horror? Assim nasceu o universo da saga que imagina a chegada de alienígenas determinados a eliminar qualquer fonte de som no planeta Terra — e a história da família Abbott, que protagoniza os dois primeiros longas com seu enredo de sobrevivência em um cenário já devastado. A gênese do apocalipse extraterrestre, porém, ainda era um certo mistério, que agora é visto em Um Lugar Silencioso: Dia Um, estreia desta quinta-feira, 27.
Situada em Nova York, a história de origem é pretexto para explorar como monstruosidades avessas a ruídos responderiam à barulhenta metrópole. Lá, a paciente de câncer terminal Samira (Lupita Nyong’O) vai com seus colegas moribundos de asilo, além de seu gato de estimação, assistir a um espetáculo de marionetes, mas tem a excursão interrompida quando o céu é coberto por meteoros e, instantes depois, as temidas criaturas começam sua carnificina no asfalto. Com o auxílio de seu leal companheiro felino, a protagonista decide não obedecer aos pedidos de evacuação da cidade, mas sim comer a última fatia de sua pizza favorita antes do fim do mundo. No caminho, encontra o universitário Eric (Joseph Quinn), imigrante inglês vulnerável e carente, que decide segui-la.
Juntos, ambos desbravam a cidade, passando pelos esperados artifícios de um filme-desastre em Nova York: fogem dos algozes em um prédio comercial de vidro, nadam por uma estação de metrô inundada e perambulam pelas famosas calçadas da cidade, onde livrarias, bares, teatros e igrejas ou já se tornaram relíquias abandonadas, ou se transformaram em abrigos emergenciais. Os maiores sucessos de Dia Um, contudo, não estão na ação urbana — competente, mas que pouco faz para impressionar ou disfarçar que a maioria do longa foi, de fato, filmada em Londres —, nem em sua ligação com o universo da franquia, cuja mitologia confusa é pouco esclarecida e, em certos momentos, compromete a suspensão da descrença de quem lhe assiste.
O que o distingue são seus personagens centrais e as atuações excelentes de quem os compõem. Já no fim de sua vida, Samira não pretende assumir qualquer heroísmo, mas sim ter uma morte digna, sob seus próprios termos. Seus objetivos são simples — como seriam os da maior parte da humanidade frente ao fim dos tempos: comer uma fatia de pizza em homenagem às memórias e, até lá, proteger o animal que é seu maior amigo. Lacônico por natureza, o filme não exige muito texto ou explicação para que a personagem seja cativante e seu drama, convincente. Quando Eric entra na trama, o jovem tampouco demanda muito do público — confuso e assustado, ele provoca afeição instantânea e esbanja química com Nyong’o. É a relação platônica e aberta entre ambos que faz o filme escapar da austeridade tão comum a outros exemplares de seu gênero — além do sobrevivente de quatro patas, que dá à história um certo tom de conto de fadas.
É difícil encontrar motivos para que uma franquia se estenda, mas Um Lugar Silencioso parece ter encontrado um bom elemento renovável: a humanidade. Enquanto a ação hollywoodiana se mantiver plástica, repleta de heróis destemidos e conflitos colossais, a simplicidade permanecerá tocante e refrescante.
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