O detalhe peculiar do filme ‘Conclave’ que irritou religiosos
Produção com Ralph Fiennes e Isabella Rossellini está indicada em oito categorias do Oscar

*Esse texto tem spoilers do final do filme Conclave
Quando escreveu o livro Conclave, o autor inglês Robert Harris fez uma ampla pesquisa sobre como era a eleição de um papa. Ele estudou a história da Igreja Católica, seus dogmas e rituais, e entrevistou padres e freiras, entre eles um cardeal que participou de uma votação. Ao fim do livro, Harris agradece essas pessoas e diz: “Espero que não se sintam constrangidos com o resultado”. Quem leu a obra ou assistiu à sua adaptação cinematográfica, que está em cartaz nos cinemas, sabe que muitas destas fontes provavelmente se sentiram, sim, constrangidas – não pela falta de respeito no trato da religião pelo autor ou pelo diretor do filme, o alemão Edward Berger, mas por razões particulares que dizem respeito à sensibilidade de cada um com o tema religioso.
Como avisado acima, esse texto contém spoilers sobre o fim de Conclave, filme estrelado por Ralph Fiennes e com um elenco estrelado, entre eles Stanley Tucci, Isabella Rossellini e John Lithgow, e que soma oito indicações ao Oscar. Ao longo da votação para o novo papa, intrigas políticas envolvem diversos cardeais. Ao fim, o nome escolhido para assumir o mais alto posto da Igreja Católica se revela uma pessoa com hermafroditismo*, que possui órgãos sexuais masculinos e femininos. Assim, na vida real, muitos líderes católicos se irritaram com a produção – e correram para as redes sociais para disseminar o spoiler. O respeitado bispo e teólogo americano Robert Barron foi um deles: o sacerdote pediu aos fieis que corressem “para o mais longe possível” do filme. Para além do desfecho, ele se irritou com as brigas entre cardeais. “No filme, a hierarquia da Igreja é um viveiro de ambição, corrupção e egoísmo desesperado”, Barron continuou. “Os conservadores são extremistas xenófobos e os liberais são conspiradores presunçosos. Ninguém pode escapar dessa situação irredimível.”
Outro americano, o padre e reitor Carter Griffin criticou a decisão de transformar em papa alguém com cromossomos femininos. “Uma identidade sexual estável, segura e bem ordenada é uma condição necessária para a formação e ordenação sacerdotal. É a nossa criação individual e única como homem ou mulher que nos identifica como homem ou mulher, não nossos sentimentos ou escolhas subjetivas”, disse. A fala denota que Griffin não assistiu ao filme. No final, o cardeal Vincent Benítez (Carlos Diehz) se torna papa e, quando sua condição é descoberta pelo protagonista, ele explica que foi criado como garoto e que só descobriu que tinha características do sexo feminino na vida adulta, quando já era bispo. O cineasta Edward Berger sabia que o filme causaria controvérsia, mas ressaltou que a intenção do longa não é atacar a Igreja, mas sim retratar a humanidade que existe nela. Amém.
*Errata: uma versão anterior deste texto dizia que o personagem eleito como papa era transexual.