Os segredos por trás da beleza histórica de ‘O Agente Secreto’
No filme, o clima sombrio da ditadura contrasta com as cores, o calor e a beleza de Pernambuco — visual que potencializa a força do filme lá fora
Um fusca amarelo para em um posto de gasolina de beira de estrada logo no início do filme O Agente Secreto (Brasil, 2025), que estreia nos cinemas na quinta-feira, 6 de novembro. O motorista é Marcelo (Wagner Moura), que fica surpreso ao ver um homem deitado no chão próximo ao local, coberto por papelões. A cena que se desenrola, envolvendo ainda um frentista e dois policiais, é tão surreal que poderia ter saído de um filme do cineasta americano David Lynch. O visual e o roteiro, porém, deixam claro se tratar de uma obra bem brasileira. Para além da presença do famoso ator baiano, tudo evoca um DNA local: o canavial ao fundo, a malandragem dos personagens, o calor de verão palpável e, principalmente, a sensação de estar em um país que não garante a segurança de seus cidadãos — e pode até atuar contra alguns deles, como aponta a trama ambientada em 1977, em plena ditadura militar.
Tema comum do cinema nacional, a opressão do regime autoritário costuma vir embalada por narrativas melancólicas, como a do oscarizado Ainda Estou Aqui, ou com um alto teor de violência, a exemplo de Batismo de Sangue, de 2006. Em O Agente Secreto, o diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho segue caminho oposto e inovador. Aqui, a ditadura é um estado de espírito que paira no ar — e que pode ser adotado por qualquer um que a apoie ou queira se aproveitar das brechas da perseguição política para suas tramoias. Há também pontos inesperados de resistência — como uma idosa que abriga pessoas em fuga, papel de Tânia Maria, que rouba a cena no longa. Enquanto isso, a vida normal continua: as ruas são tomadas pelas músicas do Carnaval, as salas de cinema recebem filmes americanos e estranhas lendas urbanas estampam tabloides, virando fofoca na vizinhança.
Foi com essa mentalidade e com o desejo de retratar o período histórico da forma mais verídica possível que Mendonça Filho se uniu novamente ao diretor de arte Thales Junqueira, com quem havia trabalhado em Bacurau (2019) e Aquarius (2016). Junto da figurinista Rita Azevedo, que visitou mais de quarenta famílias em Recife, registrando álbuns de família, e da diretora de fotografia russa “abrasileirada” Evgenia Alexandrova, Junqueira traçou todos os detalhes que fariam das imagens do filme não só um apoio para o roteiro, mas uma parte indissociável da trama. “A história não é composta apenas pelos elementos narrativos, mas também está na forma como os carros estão estacionados numa rua, na camisa aberta de alguns personagens, no uso de palavras que foram aposentadas pela sociedade”, disse Mendoça Filho a VEJA.
Entre os detalhes que saltam aos olhos estão as cores fortes e abundantes. Longe de ser um recurso para reforçar o estereótipo do Brasil tropical na gringa, a exuberância colorida recupera um mundo pré-globalização, onde a produção nacional e artesanal predominava. “O mundo perdeu muita cor”, analisa Junqueira. “Os anos 1960 e 1970 tinham um cotidiano mais colorido nas roupas, nas ruas, no design de interiores, nos veículos.” Os carros, aliás, são personagens essenciais e belíssimos de ver na tela. No total, foram usados 169 veículos antigos — sendo 41 Fuscas —, angariados com colecionadores em diversas regiões do país. Encontrar cenários reais — ou reformar estruturas antigas — foi outra parte do esforço hercúleo da produção, que deu conta de tudo isso com orçamento de 30 milhões de reais. O valor é uma pechincha perto das superproduções americanas e europeias que O Agente Secreto deve enfrentar no Oscar de 2026. Nenhuma delas, porém, pode se gabar do molho que o Brasil tem — e que o filme faz questão de mostrar. O Recife tem tudo para virar estrela de Hollywood.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968







