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Paulo Miklos a VEJA: ‘A polarização sufocou discussões aprofundadas’

Atualmente em turnê, o ex-Titãs lança no cinema o drama 'O Homem Cordial' e acumula novos projetos, inclusive a cinebiografia de Adoniran Barbosa

Por Thiago Gelli Atualizado em 11 Maio 2023, 16h52 - Publicado em 11 Maio 2023, 16h00

Paulo Miklos, 64 anos, conheceu a luz dos holofotes à frente de um microfone, parte da icônica banda Titãs. Mas, há pouco mais de duas décadas, trombou com os refletores do cinema e gostou. Desde então, ele equilibra a arte musical e a cênica, malabarismo que agora fica especialmente claro: ele viaja o país em turnê comemorativa dos 40 anos de sua banda, primeira vez que a formação original do grupo se reencontra desde 1992, e também lança um novo filme nas salas brasileiras nesta quinta-feira, 11, O Homem Cordial. A trama acompanha um personagem similar ao artista. Aurélio é vocalista de uma banda de rock veterana e, após impedir a apreensão de uma criança suspeita de roubo de celular, se envolve em uma trama de corrupção policial e brutalidade urbana que revela os cantos mais violentos de São Paulo e do racismo institucionalizado.

Em entrevista a VEJA, ele fala de seu desenvolvimento como ator, do cunho político da sétima arte, de como concilia suas paixões e de seus demais projetos — como a cinebiografia Dá Licença de Contar, sobre Adoniran Barbosa, e a premiada série Manhãs de Setembro:

O que o levou da música para a arte cênica? Foi paixão à primeira vista. Fazer O Invasor (filme de 2001) foi um momento transformador na minha história, e a partir de então eu quis aprender e fazer mais — e é o que eu tenho feito da vida. Atualmente, faço tanto uma coisa quanto a outra: só neste ano já trabalhei em dois novos filmes, mas também estou em turnê comemorativa de 40 anos com meus ex-companheiros dos Titãs, e estou muito feliz com essa trajetória. 

Sua carreira passa por diversos gêneros cinematográficos, existe algum que prefira? Eu gosto justamente dessa versatilidade. É também como eu levo a música — canto faixas rasgadas, impactantes, ácidas ou românticas. Meu último disco, por exemplo, Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém, é um compilado de canções de amor compostas durante a pandemia. Prefiro, então, a diversidade.

O Homem Cordial é um filme intenso, com discussões pungentes sobre racismo e violência. Por que esse tema o atraiu? Creio que a arte deve sensibilizar e transformar o espectador por dentro. A polarização que enfrentamos sufocou as discussões mais aprofundadas. A internet não nos deixa saber mais a respeito das conversas porque tudo é tão veloz e difícil. Vemos uma imagem durante três segundos, lemos duas palavras e já temos conceito formado sobre um assunto, o que é muito problemático. Acho que o filme vem para tratar essa questão da maneira que só a arte é capaz: ela nos aproxima dos diferentes, derruba preconceitos e intolerâncias e questiona como podemos ter um país melhor. Estou muito feliz de participar deste longa.

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O filme retrata um tipo de violência cotidiana de grande parte da população. Como foi o preparo de elenco para a construção de um ambiente de trabalho saudável? Olha, foi muito interessante, porque, ao contrário da gravidade do assunto, buscamos uma unidade dentro do elenco, que é maravilhoso e muito diverso. O nosso diretor, Iberê Carvalho, e a preparadora de elenco Amanda Gabriel propuseram jogos com toda a equipe cênica, para que cada um trouxesse sua história de vida e sua perspectiva, em um questionamento geral para o grupo sobre nossas diferenças — raciais, de classe ou de histórico —, a fim de pensarmos como estávamos impactados por essa história e como iríamos contá-la. Isso trouxe uma autenticidade para o grupo, uma verdade que está estampada na tela. Tenho certeza de que quem for ao cinema vai perceber a unidade que conquistamos entre elenco e equipe.

Em Manhãs de Setembro, você interpreta o par romântico de Gero Camilo em uma trama sobre diversidade, protagonizada pela cantora Liniker. Como tem sido essa experiência em sua vida? Tem sido muito importante participar e me entregar a um trabalho como esse, que mais uma vez vem afirmar aquilo: que a arte mexe a gente por dentro. A série mostra uma realidade sobre a qual o grande público tem pouca informação — ouvem dizer, mas não têm proximidade ao tema. Essa série nos leva para perto desses personagens e dessas vidas e nos faz sentir transformados pela sensibilidade e pela empatia. Me sinto bem aceito por todo o elenco, que realiza o projeto para discutir exclusões muito sérias — o Gero Camilo, aliás, é um ator fabuloso e um querido amigo meu.

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O que faz um bom colega de cena? É a disponibilidade, né? A generosidade também. Um bom parceiro entrega o que seu colega precisa para discutir, para ir até onde a outra parte gostaria de ir e para se perceber em cena respeitosamente. É algo muito intenso, particular e próximo, então temos que fazer uma conexão. Precisamos de uma liga humana para que os personagens funcionem — seja um par romântico ou uma cena brutal. 

Paulo Miklos como Adoniran Barbosa no curta 'Dá Licença de Contar', de 2015, no qual o futuro longa é baseado
Paulo Miklos como Adoniran Barbosa no curta Dá Licença de Contar (2015), no qual o futuro longa é baseado (Reprodução/Reprodução)

Em breve, o público também vai poder vê-lo no papel de Adoniran Barbosa. Como foi o processo para encarnar não só uma figura real, mas alguém tão icônico para a cultura brasileira? É impressionante. Quando falo de Adoniran Barbosa, falo de um personagem inventado pelo João Rubinato [nome real do compositor]. Ele mesmo, então, é um personagem com trilha sonora própria, músicas que também são trilha das nossas vidas. Ao mesmo tempo, ele é um retrato incrível e bem-humorado — mas duríssimo — sobre a sociedade brasileira. Adoniran é um fenômeno, né? As pessoas conhecem ele pelo Brasil inteiro, é uma figura icônica e incrível. Comigo, aconteceu aquela magia que sempre acontece — com direito a bigodinho e uma gravata borboleta — e as pessoas começaram a falar “você está idêntico ao Adoniran, até sua voz é parecida com a dele!”. É a magia do cinema, da arte dramática. O filme do Pedro Serrano é muito caprichado e muito bem feito, com uma equipe incrível. É um filme de época lindo, vai ser bacana. Canto as músicas do Adoniran, e assim também junto minhas duas paixões.

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Sua trajetória conta com poucas novelas, essa é uma escolha consciente? Não, eu amei fazer novela. Fiz duas [Bang Bang e O Sétimo Guardião] e é muito interessante, um processo intenso em que você fica nove meses em função de um trabalho. É, então, uma coisa muito especial na vida, você deixa de fazer uma série de outros projetos, mas estou totalmente aberto e esperando novos convites.

Como você compara a dinâmica do set com a de uma turnê? Quando o set de cinema ainda era uma novidade completa para mim, minha primeira percepção foi de como aquilo se assemelhava a minha banda. Em uma turnê existe a equipe técnica, o pessoal do som, o cara que leva seu instrumento ao palco, toda uma equipe ao redor funcionando em conjunto para que o espetáculo aconteça. O cinema não é diferente, e, quando cheguei, falei “puxa, isso eu conheço.” Não tem sido diferente, é muito bonito como todos estão envolvidos no trabalho e como há uma paixão muito grande que perpassa os bastidores. É apaixonante, e continuo apaixonado e entregue à sétima arte.

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