As luzes do cinema se apagam e surge na tela uma combinação familiar. Emma Stone, William Dafoe e Margaret Qualley, estrelas de Pobres Criaturas, se revezam em três histórias independentes e de espírito nonsense. Isso denuncia: o que se vê ali é um filme do grego Yorgos Lanthimos. No longa Tipos de Gentileza, já em cartaz no país, o diretor volta-se a seus devaneios peculiares numa tríade de contos sobre obsessão, controle e obediência pouco palatáveis à lógica e de humor sombrio característico. Um pacote que reforça a ideia: já consagrado em Hollywood, o cineasta diferentão não precisa agradar a ninguém fora ele próprio — além, é claro, da trupe de atores fiéis que dão rosto às suas viagens estilísticas pouco convencionais sem pensar duas vezes.
Dono de um cinema autoral inconfundível, Yorgos está no centro da mais badalada versão atual de um velho fenômeno: as panelinhas de diretores cultuados. Cair no gosto de um cineasta em particular pode ser ótima estratégia de sobrevivência na selva hollywoodiana: dos seguidores numerosos de Wes Anderson — que vão de Bill Murray a Tilda Swinton — a parcerias consolidadas como o trio Martin Scorsese, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, a história do cinema está recheada dessa curiosa simbiose entre atores e diretores. A recorrência do trabalho, no geral, é benéfica para ambos: ao cair nas graças de um diretor, essas estrelas ganham um selo de prestígio que normalmente é passaporte para indicações a prêmios como o Oscar; enquanto isso, os maiorais das panelinhas têm a chance de trabalhar com profissionais que conversam com sua dinâmica de filmagem e identidade artística. No universo das séries, nomes como Ryan Murphy e Mike Flanagan também “reciclam” seus atores preferidos a cada produção, criando uma forma de universo pessoal que ajuda, inclusive, a identificar uma produção como sendo de sua autoria. Há, é fato, o risco de que a parceria caia na monotonia e acabe limitando o trabalho das duas partes — mas aí é só fazer como o espanhol Pedro Almodóvar, que vai renovando sua lista de atores e atrizes-fetiches com o andar da carruagem.
Conversas com Scorsese – Richard Schickel
O último sonho – Pedro Almodóvar
No caso de Lanthimos, Emma Stone se estabeleceu como rosto principal de seu clã: além de Tipos de Gentileza, a atriz esteve à frente da comédia histórica A Favorita (2018), do curta Vlihi (2022) e do arrasa-quarteirões Pobres Criaturas (2023), que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz com a excêntrica Bella Baxter. Com tanta química entre os dois, Emma tem futuro garantido no “yorgosverso”: ela já está escalada para Bugonia, filme do cineasta previsto para 2025, no qual vai repetir a parceria com Jesse Plemons. O ator chegou ao clubinho em Tipos de Gentileza e, ao que parece, não deve deixar tão cedo a lista de contatos frequentes de Lanthimos. O cinema, afinal, é a arte da confraria criativa.
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907