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Will & Harper: documentário da Netflix é lição emotiva sobre transgêneros

Produção acompanha o comediante Will Ferrell em uma viagem de carro com uma amiga que transicionou na maturidade

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 set 2024, 13h49

Por quase três décadas o comediante Will Ferrell, 57 anos, trabalhou com Andrew Steele, roteirista de cinema e do humorístico Saturday Night Live. A amizade de longa data foi posta em xeque em 2020, quando, por e-mail, Andrew lhe avisou que faria a transição de gênero para assumir sua verdadeira identidade feminina, e passaria a atender pela alcunha de Harper Steele. Ferrell ficou chocado, mas acolheu a amiga. Passada a pandemia, eles tiveram uma ideia: a dupla faria uma road trip, uma viagem de carro pelo Oeste e Sul dos Estados Unidos, com a missão de entender como ficaria a amizade e como Harper se adaptaria ao tipo de roteiro que amava fazer quando ainda vivia como Andrew. A viagem envolvia a passagem por estados de política amplamente transfóbica, bares de beira de estrada com bandeiras apoiando Donald Trump e estádios de esportes transbordando a testosterona. A presença de Ferrell e de câmeras, claro, ajudou a tornar a experiência mais palatável e segura para Harper — mas não impediu que ela e o comediante se tornassem alvos de comentários maldosos nas redes. O resultado dessa viagem de duas semanas é retratado no filme Will & Harper, da Netflix, título já cotado para concorrer ao Oscar na categoria de documentário.

Outras celebridades do filão do humor americano fazem participações no filme, como Tina Fey e Kristen Wiig. Mas é na relação dos dois protagonistas que o documentário ganha força. Harper começou a transição perto dos 60 anos de idade — durante o filme ela tem 61. Ferrell nunca desconfiou do segredo da amiga — e não conhece ninguém tão próximo que tenha transicionado na vida. Ele tem dúvidas genuínas. Ela tem questões mais simbólicas. Enquanto Ferrell alimenta curiosidades sobre as cirurgias pela qual a amiga passou e talvez venha a fazer, Harper quer entender quem é ao lado do comediante e o quanto ele de fato a vê como uma mulher.

A dinâmica é válida, apesar de seus tropeços. Nesse processo, Harper se coloca numa posição desconfortável. Em uma coluna esclarecedora no jornal britânico The Guardian, a jornalista e escritora trans Veronica Esposito conta que o filme é praticamente uma aula para as pessoas cis — nome dado aos que se identificam com o gênero biológico. O propósito educativo, porém, pode ser mais duro do que parece para Harper. “Como alguém que dançou essa música com amigos cis, eu sinto pela vulnerabilidade de Steele, assim como fico constrangida pelas situações em que Ferrell a coloca”, escreve ela. Veronica, porém, também reconhece a dificuldade de ajustar as relações após uma transição e o esforço de Ferrell. “A curiosidade de ambos os lados aparece no filme de forma problemática, mas também satisfatória e emotiva em diversos momentos”.

A capacidade de captar um imenso rol de emoções é um importante combustível da produção. Parceiros profissionais afiados, Will e Harper encontram humor em situações inusitadas. Fazem piadas juvenis, por vezes politicamente incorretas, em uma troca típica dos que dividem anos de trabalho juntos. Ao mesmo tempo, enquanto Harper se abre, e Will percebe um mundo do qual não fazia ideia, lágrimas rolam em cena e fora dela. Às vezes, o tom educativo é necessário em um mundo que tenta esconder ou anular pessoas trans — nesse quesito, Will & Harper é uma aula emotiva, e também uma lição valiosa sobre laços humanos que não se quebram com facilidade.

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