Munido apenas de doze moedas, um ingênuo e enérgico Willy Wonka (Timothée Chalamet) desembarca na cidade grande, onde planeja abrir uma loja de chocolate. Mas o dinheiro que deveria sustentá-lo por pelo menos um dia dura poucos minutos na famigerada metrópole — entre os gastos inesperados, uma multa salgada por quebrar a lei que proíbe transeuntes de “sonhar acordado” na rua. Esse é só o começo da série de empecilhos na trajetória do protagonista de Wonka (Estados Unidos e Reino Unido; 2023), em cartaz nos cinemas.
A fantástica fábrica de chocolate
Ambientado quase três décadas antes de A Fantástica Fábrica de Chocolate, o filme musical imagina o passado do personagem — um jovem sonhador que, para criar seu império açucarado, enfrenta gente maléfica pronta para boicotá-lo — o time da vilania tem três empresários gananciosos, um policial viciado em doces e uma dona de hospedaria golpista (Olivia Colman, hilária). Isso, sem falar do Oompa Loompa esperto e vingativo interpretado com ironia radioativa por Hugh Grant. O homenzinho laranja o persegue — uma virada e tanto para personagens que, no original, trabalham como escravos na fábrica.
Mudanças desse naipe foram mais que necessárias. Criador de A Fantástica Fábrica, o autor galês Roald Dahl (1916-1990) foi acusado de racismo, antissemitismo e gordofobia. No passado, também deu trabalho: pais afirmavam que ele incentivava a rebeldia juvenil. Sua obra literária acaba de ganhar uma edição sem termos preconceituosos, e seus herdeiros pediram perdão pelas falhas do patriarca. Em contrapartida, Dahl ganhou sobrevida (e sua família, um dinheirão): a Netflix pagou 1 bilhão de dólares pelos direitos de adaptação da obra do autor, acordo que resultou no musical Matilda e em quatro curta-metragens feitos pelo cineasta Wes Anderson.
A nova leva de produções expõe as razões da longevidade de Dahl: em seus livros, tempos sombrios e pessoas más sempre vão existir, mas nem por isso a vida deve ser menos colorida ou sem esperanças. Wonka adiciona a isso o humor britânico aguçado dos roteiristas Simon Farnaby e Paul King (que também faz as vezes de diretor), responsáveis pelos dois adoráveis filmes do urso Paddington. Chalamet se joga no roteiro cômico sem paraquedas: o ator de 27 anos deixa em casa (ufa!) a conhecida feição blasé digna de um palmito para assumir a personalidade vibrante do personagem, antes defendida com brilho por Gene Wilder, em 1971, e Johnny Depp, em 2005. Um retorno triunfal — e saboroso, como o melhor chocolate.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871
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