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Felipe Moura Brasil

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Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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Entrevista com João Pereira Coutinho

Eu havia falado aqui e aqui da histeria politicamente correta que, sob a bandeira do multiculturalismo, impede não só certas medidas de segurança que eventualmente podem salvar vidas, mas o próprio debate sobre quais delas seriam as mais eficazes para conter o avanço dos radicais islâmicos sobre o Ocidente. Citei os casos emblemáticos do atirador de […]

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 31 jul 2020, 03h12 - Publicado em 26 ago 2014, 15h44
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  • 425661-970x600-1Eu havia falado aqui e aqui da histeria politicamente correta que, sob a bandeira do multiculturalismo, impede não só certas medidas de segurança que eventualmente podem salvar vidas, mas o próprio debate sobre quais delas seriam as mais eficazes para conter o avanço dos radicais islâmicos sobre o Ocidente. Citei os casos emblemáticos do atirador de Fort Hood e dos terroristas de Boston, em que a morte de inocentes poderia ter sido evitada não fosse a irresponsabilidade – para dizer o mínimo – disfarçada de “tolerância” promovida pelo governo Obama, o mesmo que abriu caminho, como mostrei aqui, aqui e aqui, para os terroristas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS, na sigla em inglês) cometerem as maiores atrocidades no Iraque, decapitando e executando cristãos, yazidis e até jornalistas internacionais.

    Hoje, o colunista português João Pereira Coutinho, que compensa sozinho na Folha de S. Paulo todos os Gregórios Duvivier e Janios de Freitas que lá escrevem, publicou o artigo obrigatório “Nós, os vermes“, em que aponta justamente a cultura da “tolerância” como causa da transformação de cidadãos britânicos, “que nasceram e cresceram à sombra do Estado de bem-estar social”, em jihadistas que lutam contra o Ocidente; responsabilizando ainda, como não poderia deixar de ser, “os fanáticos revisionistas e multiculturalistas que, na mídia e nas universidades, foram oferecendo as doces pastagens da retórica antiocidental”. “Se nós, ocidentais, não respeitamos o que somos ou temos (…), por que motivo devem os outros respeitar-nos?”, pergunta Coutinho, acrescentando que “gostamos tanto de nos apresentar como vermes que os outros acabam olhando para nós como vermes.”

    A perfeita conclusão é uma lição – e isto sou eu que estou dizendo – para alguns de seus próprios colegas de Folha: “Mas já seria um grande contributo se o Ocidente fosse um pouco mais intolerante com a intolerância daqueles que recebemos, alimentamos, sustentamos – e enlouquecemos de ódio com o ódio que sentimos por nós próprios.”

    Na Inglaterra, vale lembrar que Mohammed já é o nome mais popular entre os bebês do sexo masculino; e, só para se ter uma ideia de como o pavor de ferir suscetibilidades vai se transformando na pura submissão de um país às imposições de uma religião minoritária que representa apenas 4,5% de sua população, a rede Subway resolveu abolir, como mostrou meu compadre Alexandre Borges, todos os derivados de porco (basicamente presunto e bacon) de seu cardápio para, segundo eles, não ofender os muçulmanos.

    AsIdeiasConservadorasTratados no mínimo como porcos pelos esquerdistas, os conservadores também tiveram suas ideias, ainda mais saborosas que presunto e bacon, abolidas do cardápio universitário para não ofender os professores militantes, de modo que o novo livro de João Pereira Coutinho, As ideias conservadoras – explicadas a revolucionários e reacionários – (Editora Três Estrelas, 125 páginas), também chegou em boa hora para mostrar como o mundo anda carecendo delas.

    O jornalista Gabriel Marini, leitor e colaborador deste blog, entrevistou o autor durante a divulgação da obra no Brasil; e eu aqui, aproveitando o embalo, publico o resultado em primeira mão, incluindo em seguida um trecho de sua palestra na tenda da Folha na Flip, filmada pelo Alexandre.

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    GABRIEL MARINI: Sua atuação midiática, em Portugal, seguiu um rumo aparentemente inverso do que costuma ocorrer no Brasil. Você começou recebendo prêmios no meio literário, com Jaime e Outros Bichos, e depois foi atuar em O Independente e em outros jornais. Por que você trocou o romance pela crônica leve e pela opinião política? Não há saudades de escrever romances?

    JOÃO PEREIRA COUTINHO: Mil perdões, mas isso é exagero. O “Jaime…” é apenas uma novela juvenil que, pessoalmente, tem apenas interesse autobiográfico. Dediquei-me ao jornalismo para cumprir duas paixões: a intelectual e a material. Por enquanto, não há saudades do romance. Se a ambição fosse escrever os romances que normalmente aparecem nas livrarias – prosa sentimental, pseudo-poética e pseudo-humanista – eu escreveria um todas as semanas. Mas já há farsantes e otários de sobra para eu participar nesse circo. Se tiver alguma coisa a escrever de diferente, isso será feito no tempo certo.

    MARINI: Além da experiência na mídia convencional, você desbravou os mares da internet portuguesa com o blog Coluna Infame, ao lado de Pedro Mexia e Pedro Lomba. Qual foi a importância desse evento para a sua carreira e até mesmo para a popularização dos blogs em Portugal?

    COUTINHO: Para mim, importância nenhuma: eu já era colunista do “Independente” e o blog era divertimento com dois amigos. Para os blogs portugueses, creio que foi pioneiro; depois dele apareceram centenas ou até milhares de blogs, o que significa que a “blogosfera” ficou infrequentável.

    MARINI: A sua coluna em Folha Online e na versão impressa do jornal veio a desarmar alguns preconceitos dos leitores e até mesmo algumas barreiras criadas ideologicamente pelo mercado editorial. Muitos brasileiros acabam tomando gosto e indo pesquisar outros nomes do pensamento português nos últimos 30 anos, dentre os quais, talvez o mais famoso seja Miguel Esteves Cardoso – alguns até dizem que você é uma versão atualizada do escritor. O que você recomenda, ao leitor desavisado, advindo da crônica portuguesa recente?

    COUTINHO: Não há nenhum cronista português que eu leia com admiração digna de um Millôr Fernandes ou de um Nelson Rodrigues. Há escribas interessantes, sim, mas a maioria oscila entre a megalomania de hospício (com “propostas” para resolver o país) e piadinhas dignas do pior jornalismo regional. De resto, os comentadores mais badalados em Portugal são os próprios políticos, que fazem política e depois comentam-na. Uma anedota completa, no conteúdo e na forma.

    MARINI: Você já disse que é uma pena que alguns autores, como é o caso de Millôr Fernandes, não tenham sido suficientemente publicados em terras lusitanas. O mesmo percebe-se pela perspectiva Brasileira. De ambos os lados, o que você acha que falta a cada país? Quais livros e autores portugueses o Brasil deveria lançar? E brasileiros em Portugal (além de Millôr)?

    COUTINHO: Essa lista não tem fim. Prefiro ser modestíssimo: o Brasil deveria conhecer melhor a poesia portuguesa (Nemésio, Cesariny, Ruy Belo, por exemplo) e Portugal deveria conhecer melhor Lima Barrreto, Nelson Rodrigues e, claro, Millôr. Em tempos, juntamente com o editor Vasco Rosa, organizei o único livro de Millôr com as suas histórias, aforismos, etc. Nunca mais foi reeditado. Isso diz muito sobre a erudição dos nativos.

    MARINI: Se na política Portugal ainda anda num padrão parecido com o da normalidade, através da disputa entre partidos com ideologias opostas, como está a cultura, seja pop ou superior? É verdade o que dizem, que, como vingança de colonizados que conseguiram a libertação nacional, nós fazemos seu povo sofrer com nossos enlatados televisivos e músicas de altíssimo (sic) nível?

    COUTINHO: Não, é mentira. Pelo contrário: as novelas brasileiras são muito bem feitas (tecnicamente, narrativamente) e a música tem umas ilhas de sanidade, aqui e ali. Portugal tem muito a aprender com os colonizados.

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    MARINI: Como dito durante a Flip, você chegou à mesma conclusão que muitos brasileiros curiosos: no país, não há direita organizada. Não há sequer direitistas suficientes nas redações ou nas páginas dos principais veículos de comunicação. Como pode-se, neste contexto, explicar o sucesso dos seus últimos dois lançamentos?

    COUTINHO: A resposta à pergunta já está na própria pergunta: quando existe pouco material não-esquerdista, gera-se um “nicho de mercado”. O resto do sucesso deve ser trabalho e algum talento, espero. O último livro, pequeno em dimensão, demorou-me dois anos de leituras e escritas na biblioteca da Gulbenkian, em Lisboa. Não há milagres.

    MARINI: Destacando-se de uma influência sua, Nelson Rodrigues – que provavelmente usava a palavra como um amuleto, sem cuidado filosófico ou científico –, em As Ideias Conservadoras você separa o Conservadorismo da figura do reacionário. Qual é o limite da sua tese, enquanto muitos conservadores continuam adotando a palavra “reacionário” de maneira positiva, assim como liberais, socialistas e outros istas continuam chamando Edmund Burke e correlatos por essa alcunha?

    COUTINHO: Se os conservadores adoptam a palavra “reaccionário” com orgulho, isso significa que eles são, para além de ignorantes, imbecis. O mesmo é válido para quem acusa Burke do mesmo crime, com a única diferença de que eles talvez não sejam assim tão ignorantes. Só imbecis.

    [Nota de FMB: Não sei se Coutinho, grande fã de Nelson Rodrigues, conhece a célebre frase dele Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta”, que vale mencionar em favor de muitos dos conservadores brasileiros que a usam apenas neste sentido mais geral, o mesmo talvez de George Bernanos – “Ser reacionário é ser vivo, porque só um cadáver não reage aos vermes que o corroem” -; embora a maioria provavelmente de fato ignore as definições de Anthony Quinton de que reacionário é apenas um “revolucionário do avesso” ou de Samuel Huntington: “O passado é romantizado e, no fim, o reacionário acaba por defender o regresso a uma Idade de Ouro idealizada que nunca de fato existiu. Ele torna-se indistinguível de outros radicais, e normalmente exibe todas as características singulares da piscologia radical” – características ou caricaturas estas de que todo conservador evidentemente tem a obrigação moral de se distanciar.]

    MARINI: Num dos pontos mais importantes do livro, no capítulo “A ‘Sociedade Comercial’”, você é assertivo na defesa do papel da economia de mercado no conservadorismo burkeano. Entretanto, não teria Matthew Arnold, em sua crítica à cultura filisteia dos burgueses, alguma razão? Digo isto pensando, primordialmente, no que sobrou do antigo direitismo no Brasil, os “Liberais” (e seus coirmãos americanos, os libertários), que trocam princípios céticos por um abstratismo que coloca o mercado como fonte de tudo e de todos?

    COUTINHO: Isso é um erro e um abuso. Como eu afirmo no livro, socorrendo-me dos textos hoje esquecidos de H.B. Acton, existe uma diferença entre uma “sociedade de mercado” e o “mercado livre”. O “mercado livre” faz parte da sociedade, mas não esgota tudo o resto que deve existir nessa sociedade e que escapa à lógica da mera troca de bens e serviços. O problema só acontece, à esquerda e à direita, quando se pretende submeter todas as esferas da existência a uma lógica que só funciona no mercado. Se existirem leis e instituições capazes de integrar o capitalismo numa “sociedade comercial”, essa é a única forma de gerar riqueza e liberdade em qualquer sociedade humana.

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    MARINI: Você pretende, algum dia, relançar Jaime e outros bichos e Vida independente? Talvez no Brasil?

    COUTINHO: Não. O “Jaime” é arqueologia e o “Vida Independente” é tão português (e tão marcado pela espuma daqueles dias, entre 1998 e 2003) que seria ininteligível para um brasileiro. Tudo tem o seu tempo. E o tempo, agora, passa por outros projectos.

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    Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil

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