Em outubro de 2013, quando o livro A queda – As memórias de um pai em 424 passos, de Diogo Mainardi, não ficou nem entre os três primeiros da categoria do prêmio Jabuti em que concorreu, escrevi no Facebook:
Mainardi levou o Jabuti em 1990 pelo romance ‘Malthus’, quando era apenas um escritor brilhante em início de carreira, e não o famoso (agora ex-)colunista da revista VEJA, exterminador intelectual de esquerdistas de qualquer espécie.
Dessa vez, seu melhor livro (e olha que superar o romance Contra o Brasil e as coletâneas A tapas e pontapés e Lula é minha anta não era nada fácil) estava entre os dez finalistas na categoria biografia, a qual preenche e transcende com o brilho, a densidade e o poder que as obras premiadas sobre Marighella (1º) e Getúlio (3º) jamais terão de falar aos corações de todo tipo de gente, do mundo inteiro, de diversas épocas. Mas, sendo quem é hoje, Mainardi naturalmente não tem vez no prêmio ‘Chico’.
Como disse certa vez Olavo de Carvalho: “Quando deram o prêmio Jabuti para o Bruno Tolentino, eu achei que era uma grande honra para o prêmio Jabuti.” Dar mais um prêmio para Mainardi decerto estouraria o limite de honra que a turma de Chico pode suportar.
‘A queda’ dessa gente também é para sempre.
Pois bem. De lá para cá, o livro que já ganhara matéria preciosa de Mario Sabino na VEJA em agosto de 2012 colecionou, como queríamos demonstrar, traduções e elogios pelo mundo, culminando com a esplêndida resenha publicada no domingo 9 deste mês de novembro no jornal americano The New York Times, na qual a professora da Eastern Washington University e autora do livro de memórias ‘Road Song’, Natalie Kusz, o classifica simplesmente como “genial”. Como bem tuitou Sabino, escritor e ex-redator-chefe de VEJA:
Na imprensa brasileira, o máximo que saiu sobre tamanho elogio a The Fall: A Father’s Memoir in 424 Steps (na versão traduzida para o inglês por Margaret Jull Costa) foi esta mísera notinha na Folha. Nossos jornalistas, sempre tão dispostos a traduzir o noticiário contaminado de esquerdismo do NYT, ou ignoram solenemente a seção literária que redime o jornal e/ou tampouco quiseram estourar seus limites de honra – especialmente neste momento em que a militância petista acusa Mainardi de preconceito e discriminação por apontar no Manhattan Connection, após a reeleição de Dilma, que o Nordeste sempre teve um comportamento “bovino” em relação ao poder.
Ignorando que as expressões populares “curral eleitoral” e “voto de cabresto” são usadas pela mesma lógica que o termo “bovino”, como depois explicou Mainardi no programa, os deputados Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara, Pedro Eugênio (PT-PE), coordenador da bancada do Nordeste, Luiz Couto (PT-PB), Erika Kokay (PT-DF), Alice Portugal (PCdoB-BA) e Luciana Santos (PCdoB-PE), além do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entraram com representação junto ao Ministério Público Federal (MPF) contra o comentarista da Globo News. Em suma: quatro petistas e duas comunistas da linha auxiliar mostrando mais uma vez por meios judiciais o gosto do partido pela intimidação e pelo “controle da mídia”, para alegria de José Dirceu – o presidiário moral cujo blog festejou a ação. É por essas e outras que Mainardi havia dito na época do lançamento de A queda:
“Só consegui, contudo, dedicar-me seriamente ao livro a partir de setembro de 2010, na volta definitiva a Veneza. Tive de renunciar à coluna em VEJA, por causa da minha cabeça limitada: sou incapaz de pensar num José Dirceu e, ao mesmo tempo, num Tintoretto. O José Dirceu emporcalha o Tintoretto”, ironizara ele, referindo-se ao pintor citado na obra.
Só falta mesmo a turma de Dirceu controlar as resenhas do NYT. Enquanto não conseguem, segue a tradução do texto de Natalie Kusz, precisa em sua frase final. Que nossos jornalistas e jurados do Jabuti deixem a invejinha de lado e aprendam como se faz.
As memórias de um pai em 424 passos
Other Press, $20.
O brasileiro Mainardi era um jornalista respeitado, morando com a mulher no Grande Canal de Veneza, quando o inconcebível aconteceu: devido a um erro médico crasso, o filho dele, Tito, nasceu com paralisia cerebral. O hospital era famoso pela quantidade de desgraças, mas os Mainardi o escolheram assim mesmo porque ficava perto de casa, por causa da arquitetura, por ficar perto de uma confeitaria de primeira – por razões comuns que, em retrospecto, fariam o pai de Tito se sentir tão culpado quanto o hospital, quanto a equipe, quanto Napoleão Bonaparte.
Napoleão? Sim, e aqui se encontra a genialidade do livro. Cada um dos 424 fragmentários apontamentos do texto exemplifica o caminho doido, ilógico que a mente escolhe de forma a se controlar ou a perder o controle. O prédio de estilo primoroso abrigava uma irmandade beneficente até Napoleão transformá-lo em hospital militar, que mais tarde tornou-se hospital público, perto do qual, ainda mais tarde, foi inaugurada uma confeitaria. Portanto, entre os muitos culpados pela paralisia cerebral do menino estão um arquiteto brilhante, Napoleão e Mainardi adorar doces.
Esse tipo de autobiografia sugere uma literatura “experimental” da mais juvenil espécie: uma repulsa por qualquer coisa que se pareça à conformidade. Na verdade, Mainardi articulou uma obra genial na melhor tradição das autobiografias, dando menos ênfase ao que aconteceu do que ao que ele (e, portanto, nós) podemos perceber por causa do que aconteceu. O que nós percebemos, no fim das contas, é a criação mental da verdade.*
* Tradução de Claudia Costa Chaves para o blog de Felipe Moura Brasil na Veja.com.
Segue o belo anúncio do livro, com os elogios recebidos pelo mundo.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil
Siga no Facebook, no Twitter e na Fan Page.