Agora sabemos. A pressão para calar Rachel Sheherazade não é do Sindicato dos Jornalistas do Rio, presidido pela militante do PSOL Paula Mairán, ex-assessora de Marcelo Freixo e coordenadora de sua campanha à Prefeitura em 2012, que jamais saiu em defesa de Sheherazade quando Paulo Ghiraldelli desejou o seu estupro, mas emitiu prontamente nota, após seu comentário sobre o bandido amarrado no poste, acusando-a de “apologia à violência quando afirmou achar que ‘num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível’”. Não é da bancada do PSOL no Congresso que protocolou em fevereiro uma representação para que ela e o SBT respondam civil e criminalmente por apologia ao crime. Não é de seu líder Ivan Valente, que transformou o “compreensível” de Sheherazade em “mandar torturar, matar, assassinar” – aquelas coisas que um dos fundadores do próprio PSOL, o terrorista italiano Achille Lollo, não precisava mandar ninguém fazer. Não é da bancada do PCdoB na Câmara que entrou em março com representação também contra a apresentadora e a emissora por crime de apologia e incitamento ao crime, à tortura e ao linchamento. Não é tampouco de sua líder, a deputada Jandira Feghali, que pediu ainda à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República que reveja as verbas publicitárias repassadas pelo governo ao SBT e, quase ao estilo do ditador da Venezuela apoiado pelo seu partido, Nicolás Maduro, declarou: “Ou tira do ar a jornalista, ou recebe punição.” Nada disso. A pressão, na verdade, “é das pessoas mesmo”.
É o que acha o humorista Fábio Porchat, o garoto-propaganda da Caixa Econômica Federal.
Com tamanha precisão de linguagem, não sei como o IPEA não contrata este rapaz. “Por trás dos partidos e da política, há pessoas!”, lembrou-lhe Sheherazade, em parte de sua resposta no Twitter. Se eu fosse Ivan Valente ou Jandira Feghali, entraria com representação contra Porchat pela sugestão de que não sou uma delas. Transformaria o tuíte em xingamento, ofensa, calúnia, injúria e difamação, e nunca mais demonstraria como a frase original se enquadra nessas acusações nem consideraria qualquer esclarecimento posterior, mas apenas repetiria no plenário e em mil entrevistas que ele cometeu um crime inaceitável contra a minha honra e merece ser punido pelos seus empregadores. Mas ufa. Eu não sou Ivan nem Jandira. E sei que eles não tentam assassinar a reputação de seus miguxos ideológicos. O papai homônimo do garoto da Caixa, o ex-deputado Fábio Porchat, não vai precisar pedir uma ajudinha ao senador Álvaro Dias (PSDB-PR) no Congresso, como fez após as supostas ameaças que o filho teria recebido por ironizar policiais militares em vídeo que circula na internet.
“Tomara que não tentem calar suas piadas também!”, acrescentou Sheherazade, que recebeu da Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) o Diploma de Honra ao Mérito no último dia 9 [vídeo ao fim do post]. “Seria uma lástima!”, concluiu, demonstrando pela enésima vez o abismo moral entre o militante esquerdista (voluntário ou involuntário, consciente ou inconsciente) que, na prática, endossa a censura do adversário pelo expediente de conferir a ela a legitimidade de um movimento popular espontâneo e a apresentadora conservadora cristã que, não desejando aquilo em hipótese alguma nem mesmo para o militante que se empenha em calá-la, alerta que ele um dia também pode ser vítima do método que endossa. O comunista Karl Radek, um dos pais da campanha contra a “moral burguesa”, acabou, sob as ordens de Stalin, internado em presídio para delinquentes juvenis, onde morreu surrado e pisoteado pelos filhos da sua revolução sexual. Sempre que um conservador alerta militantes sobre o seu papel de idiota útil na radicalização de regimes revolucionários, é como se dissesse: Lembrem-se de Karl Radek.
Mas como podem os Porchats de hoje “lembrar” de Karl Radek se não “lembram” sequer que, durante a ditadura militar, socorrer e proteger presos políticos foi uma das ocupações mais constantes dos intelectuais de direita, entre os quais Nelson Rodrigues, Adonias Filho, Josué Montello, Antônio Olinto, Gilberto Freyre e Paulo Mercadante? Já escrevia Olavo de Carvalho:
“Para cúmulo de ironia, o mais célebre e aguerrido defensor de presos políticos naquela época foi o advogado Heráclito Sobral Pinto, um católico ultraconservador que confessava e comungava todos os dias e, quando não estava tirando gente da cadeia, estava escrevendo furiosas diatribes contra o Concílio Vaticano II. Hoje seria chamado de ‘fundamentalista’ e jogado no lixo com a multidão dos outros ‘ninguéns’. O que nunca se viu no mundo foi o beautiful people comunista correr em massa para estender a mão a perseguidos da ditadura soviética, chinesa, húngara, polonesa, romena ou cubana. Ao contrário, sempre que aparecia algum foragido revelando as torturas e padecimentos sem fim sofridos nos cárceres comunistas, a gangue toda se reunia, não raro em escala mundial, para achincalhá-lo como ‘agente do imperialismo’.”
Hoje a “gangue” a serviço da ditadura do discurso único se reúne até no Twitter para achincalhar as vozes dissidentes. O célebre texto do pastor protestante Martin Niemöller (1892-1984), que se atribui ora a Maiakovski, ora a Bertolt Brecht, ora ao brasileiro Eduardo Alves da Costa, já sintetizava para a posteridade o quanto o estado anestésico de ignorância e indiferença gerais é o ambiente ideal para a progressão da barbárie. Ele escreveu:
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”
Como Porchat – o destemido piadista anticristão que não faz piada com o fundador do islamismo porque não quer que explodam a sua casa – não é conservador nem de direita, ele não se incomoda que os socialistas venham e levem a voz de Sheherazade. Para quem não gostou do que ele disse, o garoto da Caixa lançou até a campanha “adote a Rachel…”, coisa que centenas de milhares de brasileiros decerto fariam alegremente, dados seus encantos e valores conservadores, condizentes aos da maioria da população, como apontam as pesquisas há anos, apesar dos esforços transformadores por parte dos militantes do show business, inclusive em criar e recriar, dia após dia, “uma imagem hedionda do ‘reacionário’”, como fizera aquele amigo de Nelson Rodrigues que ficou “besta” ao descobrir que Gustavo Corção tinha sentimentos:
Ele imaginava, escreveu Nelson, que, se o Corção passasse a mão pela face, havia de sentir a própria hediondez. Nunca lhe ocorrera que aquela besta-fera pudesse ter costumes, usos, gestos, como outro qualquer. Impossível um Corção tomando cafezinho ali na esquina; inadmissível uma gargalhada do Corção, ou um assovio do Corção. E aquele Corção pai, simplesmente pai, e simplesmente terno, e simplesmente infeliz, e simplesmente órfão do próprio filho, contrariava toda uma imagem feita de palavrões, de insultos, de baba.
“Não dá para começar um diálogo com alguém que acha ok amarrar pessoas no poste”, babou Porchat, com sua precisão digna das cartilhas psolistas de Freixo, nas quais não se diz que essas “pessoas” são os “bandidos” justamente para fazer o adversário parecer mais cruel do que eles. Porchat ignora que “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, como afirma o artigo 301 do Código de Processo Penal. A turma dos “direitos humanos” finge não saber que amarrar no poste é uma das formas de prender um bandido, como o delegado Antônio Abreu Mendes da 2ª DP de Florianópolis confirmou em outro caso, e achar isso ok nada tem a ver com defender seu linchamento, coisa que Sheherazade nunca fez, conforme esclareceu inúmeras vezes. Mas compreendo que quem acha ok a censura não queira dialogar com quem acha ok uma lei.
“Nada mais vil e mesquinho do que pedir a cabeça de alguém“, já dizia Diogo Mainardi sobre os leitores que sugeriam à VEJA a sua demissão, “mas é assim que se manifesta a discordância no Brasil. Imagino que seja a herança de séculos e séculos de regimes autoritários, da escravidão à ditadura militar. Não cultivamos o hábito da contraposição, mas o da pura e simples supressão.”
E se a supressão é endossada em nome das “pessoas mesmo” por um garoto-propaganda de estatal, cujo pai pediu ajuda ao Congresso quando precisou proteger seu filho da sanha autoritária alheia, aí a vileza e a mesquinharia alcançam níveis que só a moral esquerdista pode alcançar. Nada mais vil, mesquinho, cínico, estúpido, covarde e representativo do esquerdismo atual do que as tuitadas de Fabio Porchat. A Caixa é coisa do passado.
A verdadeira campanha dessa gente é: “Vem pedir cabeças você também!”
Felipe Moura Brasil – https://www.veja.com/felipemourabrasil
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Ver também Reinaldo Azevedo: “Eu sou ‘o do poste’! Sabe com quem está falando?” Essa é a fala do “Dimenor”-celebridade ao ser detido, roubando de novo! Ou: Ensaios sobre a cegueira
Artigo relacionado aqui no blog: Vamos comparar Rachel Sheherazade e Francisco Bosco, em homenagem ao PSOL e ao Sindicato dos Jornalistas