O presidente está certo: houve, sim, fraude nas eleições de 2018. Só que Bolsonaro segue o manual de sua turma e acusa os outros daquilo que ele mesmo pratica. Está amplamente demonstrado como a engrenagem das fake news ajudou a fraudar a democracia pelo mundo. No Brasil, não foi diferente. Sobram imagens de gente próxima a Bolsonaro ao lado de figuras internacionais envolvidas no esquema. Vale lembrar da ridícula mentira que circulava com acusação ao adversário eleitoral de distribuir mamadeiras em forma de falo nas escolas. Tenha santa paciência!
O governo, hoje, não tem condições de enfrentar a crise provocada pelo coronavírus. Semanas de cuidados foram perdidas. O liberalismo com radicalismo juvenil do poderoso ministro da Economia apresenta falhas. Do que adianta distribuir álcool em gel se nem há esgoto na favela? Também não acredito no Estado pesado, mas acho essa discussão equivocada: o desafio é saber discernir, entender em que situações o Estado é necessário ou simplesmente inútil. A resposta depende de contexto. E o contexto brasileiro mudou: estamos perto de uma hecatombe social.
“Não precisamos nos deslocar todos os dias para viver, poluindo o ambiente e congestionando as cidades.”
A resposta dos brucutus será a de sempre: descer a borracha com a desculpa de que as massas precisam ser contidas. Vão falar a verdade sobre a China: que lá a coisa foi controlada com a polícia entrando na casa das pessoas e tomando-lhes a temperatura à força. Que quem estava com febre era jogado num furgão. A falácia que nos venderão: medidas fortes são compulsórias porque o momento exige, mas o Congresso sempre cria dificuldades. Vão, enfim, usar verdades para mentir. Mentir ao omitir que o autoritarismo chinês sufocou violentamente o médico que descobriu a epidemia. O autoritarismo não é a solução, ele é a causa do problema. Criticar o autoritarismo chinês não é falar mal da China, porque criticar não é falar mal. Os chineses são grandes trabalhadores. Admiro a China. Digo isso porque o pimpolhinho do presidente insultou a China de forma estúpida. O vice-presidente da República, já salivando pelo poder, defendeu-o dizendo: “Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha, não teria problema”. Até parece que o vice não sabia que o apelido Bananinha pegaria e viraria zoeira na internet. Quem precisa de um inimigo quando tem um amigo desses?
As dúvidas que pairam são sérias. Por que o vizinho do presidente está envolvido no assassinato de Marielle? Por que o presidente homenageou miliciano e o chamou de herói? Por que as mesmas pessoas para as quais o aquecimento global não existe afirmaram que o coronavírus era apenas uma “gripezinha”? A maravilhosa psicanalista Vera Iaconelli disse que a tragédia não muda necessariamente as pessoas. A tragédia é uma oportunidade para transformações. Que tudo que vem pela frente seja uma oportunidade para a favela ganhar esgoto, escola e posto de saúde. Um atalho para que as pessoas que apoiaram Bolsonaro não tenham compromisso com o erro. Para que fique claro quanto não precisamos nos deslocar todos os dias para viver, poluindo o ambiente e congestionando as cidades. Para que fique claro que o coronavírus é apenas o começo do que vem aí: o superaquecimento do nosso planeta.
Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680