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O padeiro de Los Angeles

Um desempregado se salvou com pães — e quem não tem chance?

Por Arthur Pirino Atualizado em 4 jun 2024, 15h09 - Publicado em 2 out 2020, 06h00
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  • O Gjusta é um dos melhores cafés de Los Angeles, onde vivo. Durante a pandemia, suas portas estiveram fechadas. E então o padeiro Jyan Isaac, de apenas 19 anos, ficou desempregado e resolveu alugar um forno de um imóvel onde funcionava uma pizzaria e fazer pão para a vizinhança. Foi um sucesso. Ganhou notoriedade e uma legião de pessoas que encomendavam seu delicioso pão. O Los Angeles Times fez matéria de página inteira e manchetou: “Fazendo pão para ganhar o pão de cada dia”. E daí? Bem, e daí que estou um pouco cansado (o.k., serei honesto: de saco cheio) do uso destas histórias para perpetuar exploração. Nada contra narrativas lindas como a de Isaac — de verdade, eu me emociono. Quero inclusive ir experimentar o tal pão. O problema é o exército de “líderes” motivacionais que vendem a ideia de que basta querer para conseguir (e dizer isso não quer dizer que não é preciso querer para conseguir).

    Uma das deputadas brasileiras que mais admiro é a Tabata Amaral, de origem simples da periferia de São Paulo e que ganhou bolsa de estudos em Harvard. Sua trajetória é repetida à exaustão, mas sempre omitem o que a própria Tabata reafirma: ela é exceção e não regra. Sim, e volto a Los Angeles: relatos como o do padeiro são evocados na melhor das intenções, pretendem motivar as pessoas a encontrar o padeiro dentro de si. Têm, contudo, um efeito perverso: e quem não tem essa possibilidade?

    “O mundo como o conhecíamos morreu. Vender ilusões não nos reinventará”

    O mundo está em um poço de desesperança tão profundo que muito dificilmente funcionará um discurso de guru de executivo de Instagram para que a civilização se reencontre. Seja qual for o lado ideológico — liberal, comunista, fascista —, há um ponto em comum: todos se apoiam em ilusões para vender ideias. Cada um constrói o seu castelo de areia como quer, seja gritando por direitos sem maiores preocupações em como garanti-los, seja vendendo pote de ouro no final do arco-íris como se as oportunidades fossem iguais para todos. Enquanto alguns ficam brincando de cabo de guerra, nossa vida é atropelada, atrelada a um certo saudosismo por um passado autoritário e também a uma revolução tecnológica que não autoriza concessões. As redes sociais prometeram unir as pessoas — mas, a rigor, as separam. Os jovens ficam cada vez mais dependentes de ilusões do Instagram, em alguns casos as taxas de suicídio disparam, e a vida de verdade passa lá fora, com uns poucos ficando cada vez mais ricos.

    No início deste mês, o LAX, o aeroporto de Los Angeles, foi fechado porque um piloto da American Airlines viu uma pessoa voando com um jetpack, aquela mochila com propulsão, como nos filmes. Um vídeo que circula na internet mostra pessoas bebendo num Tesla, porque o carro, autônomo, vai sozinho pela estrada. Um aplicativo chamado Citizen faz sucesso por aqui, como uma rede social de segurança, que alerta de todos os crimes da cidade em tempo real num mapa. Cada usuário transmite ao vivo o crime que testemunha, enquanto outros comentam e aplaudem, feito torcida de futebol.

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    O mundo como o conhecíamos morreu. Vender ilusões não nos reinventará. Lembro do meme de um passarinho cantando na gaiola. Para muitos, o canto é lindo, mas quem sabe o passarinho não está protestando pela sua liberdade?

    Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707

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