Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner são os quatro integrantes da Brigada de Alter, grupo independente que atua de forma voluntária para proteger a Floresta Amazônica em Alter do Chão, no Pará, que foram presos preventivamente na terça-feira, 26. No dia seguinte, após a audiência de custódia com o mesmo juiz que autorizou a prisão, Alexandre Rizzi, da 1ª Vara Criminal de Santarém, o pedido de liberdade foi negado.
A relação entre a atuação de ONGs com o trabalho contra o desmatamento e as queimadas na região foi a receita para mais uma implosão no que se refere ao governo do presidente Jair Bolsonaro e o meio ambiente. A notícia chegou à imprensa internacional, foi repercutida pelos prestigiosos The New York Times e The Guardian, e gerou manifestações de apoio de instituições do terceiro setor, como a WWF-Brasil, citada no inquérito da Polícia Civil por ter realizado uma doação de cerca de 70.000 reais à brigada.
Apesar da singularidade da notícia, a forma de atuação da Polícia Civil e a decisão do juiz norteiam quase metade dos casos de presos no Brasil. É o que explicou o advogado criminalista Henrique Abi-Ackel, conselheiro do Instituto de Ciências Penais, que não está envolvido com o caso e analisou documentos obtidos pela reportagem deste blog.
De acordo com Abi-Ackel, qualquer indício é suficiente para dar início a uma investigação. “Seja uma denúncia anônima ou não, a partir do momento em que há o mínimo de dúvida, a polícia precisa cumprir com o seu papel, que é o de investigar. Se a denúncia não foi anônima e no futuro for revelado que a ação foi caluniosa, o denunciante poderá responder pelo crime que cometeu”, explicou.
Contudo, na opinião do criminalista, medidas cautelares poderiam ter sido aplicadas. “A prisão preventiva deveria ser um recurso completamente excepcional, o que não ocorre no Brasil. Eles poderiam aplicar fiança, exigir o uso de tornozeleiras eletrônicas, afastar os brigadistas de suas funções, entre outras soluções. A meu ver, a prisão pode ser exagerada”, afirmou.
Ao mesmo tempo, não há inconstitucionalidade no ato. A garantia da ordem pública é um dos requisitos para determinar a prisão preventiva e foi este o entendimento do juiz para a decisão. Neste momento, não há elementos, nem nos diálogos ou nos documentos apresentados, que comprovem a ocorrência de algum crime.
“O que aconteceu com eles é o que vemos todos os dias na área criminal. Acaba sendo uma antecipação da pena, sendo que ela nem foi definida ainda. No Brasil, tem-se a ideia de que enquanto não há alguém preso, ninguém está pagando pelo crime, mas isso só deveria acontecer depois de um julgamento e uma condenação”, disse. Até agosto deste ano, a população carcerária no Brasil era de 812.564 presos, sendo 41,5% presos provisórios. No caso de Alter do Chão, a situação ganhou outro tom pelo conteúdo midiático.
Caso a investigação conclua que os quatro rapazes não cometeram o crime, eles poderão buscar uma tentativa de retratação na área civil. Nesse cenário, será apurado se a ação policial foi exagerada, negligente, ilícita ou imprudente, por exemplo.
Na quarta-feira, 27, o Ministério Público Federal divulgou uma nota:
“O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém (PA) enviou ofício à Polícia Civil do Pará requisitando acesso integral ao inquérito que acusa brigadistas por incêndios florestais em área de proteção ambiental em Alter do Chão. Desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema. Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil. Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter. Por se tratar de um dos balneários mais famosos do país, a região é objeto de cobiça das indústrias turística e imobiliária e sofre pressão de invasores de terras públicas.”