Três novidades diferentes para conferir na Netflix
Nestes filmes surpreendentes, nada sai como o planejado para os personagens
O Hóspede (The Guest, 2014)
David bate à porta da família Peterson dizendo ser amigo de batalhão do filho mais velho, morto em combate. A mãe o recebe de braços abertos. O pai não gosta muito da ideia de ter um desconhecido em casa, mas acaba se rendendo ao jeitão respeitoso dele. O filho mais novo adora o hóspede, especialmente depois que este dá um jeito nos bullies da escola. A filha do meio, porém, não se convence: há algo em David que é muito estranho. Claro que há: o diretor Adam Wingard e o roteirista Simon Barrett (a mesma dupla do muito inferior Você É o Próximo, de 2011) nem tentam disfarçar que David evidentemente é um psicopata. Ao contrário: a graça está na maneira como eles escancaram a ideia até ir encostando na paródia. Se Drive e o Teorema de Pasolini tivessem um filho com o Exterminador do Futuro, teria esta cara. Aliás, vendo Downtown Abbey não se imaginaria, mas Dan Stevens, que fez o fofésimo Matthew Crawley na novela da BBC, está ótimo como super-soldado psicopata, e daria um James Bond melhor ainda.
Calibre (2018)
Amigos desde sempre, Vaughn e Marcus vão para um fim-de-semana de caça nas Terras Altas escocesas. No vilarejo que quase já não recebe turistas e onde o dinheiro anda minguando, as tensões estão todas à tona, e a dupla se dá por feliz de escapar para o mato, longe da hostilidade. Que engano: um tiro desastrado de Vaughn, e uma péssima decisão de Marcus quanto às consequências do tiro, colocam os dois em uma situação extrema. As coisas ficam muito ruins, e então bem piores, e então decididamente horríveis. O curta-metragista inglês Matt Palmer estreia em longa-metragem com estilo, pulso firme, condução precisa e a inspiração (muito bem empregada) em clássicos do gênero “forasteiros acuados” como Sob o Domínio do Medo, de 1971, e Amargo Pesadelo, de 1972. O escocês Jack Lowden, astro em ascensão (ele é o piloto que faz dupla com Tom Hardy em Dunkirk), se sai muito bem no papel do amedrontado Vaughn. Mas o destaque absoluto do elenco é Tony Curran, que faz Logan, o chefe do clã.
Sob a Pele do Lobo (Bajo la Piel de Lobo, 2017)
Este é para quem não tem pressa de que as coisas aconteçam e aprecia ficar ao bel-prazer de um diretor: no alto dos Pirineus espanhóis, em uma aldeia de pedra no qual ele o único que restou, o caçador Martinón (Mario Casas) leva uma vida de austeridade brutal – e que fez dele, também, um bruto que quase nem fala. Numa descida ao vilarejo próximo, durante a primavera, Martinón aceita a filha do comerciante local como esposa, em troca do pagamento de uma dívida (está-se no século 19, e transações do tipo são comuns). No isolamento completo, sofrendo deveres conjugais de um jeito que hoje daria delegacia na certa, a jovem morre um pouco a cada dia. O curioso: o fato de tê-la comprado e de não ter ideia de como demonstrar qualquer afeto não significa que Martinón, em sua cabeça, não esteja vivendo um romance. É o tipo de filme do qual muita gente reclama que “poderia ter 20 minutos a menos”. Discordo: é maravilhosa a maneira como o diretor Samu Fuentes, vindo do documentário, emoldura com as paisagens implacáveis (e deslumbrantes) do Norte da Espanha a excelente atuação de Mario Casas – que, acredite, em geral é galã, e na Netflix pode ser visto ainda no bacana Um Contratempo e no interessante O Bar (além de outros que ainda não conferi, como Toro).