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Isabela Boscov

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“A Forma da Água”: ele leva o Oscar ou não?

Líder do páreo com 13 indicações, o filme de Guillermo del Toro é lindo e delicado, mas está sob acusação de plágio

Por Isabela Boscov Atualizado em 31 jan 2018, 20h01 - Publicado em 31 jan 2018, 19h54
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  • É lindo, imaginativo, delicado – talvez delicado até demais. Com A Forma da Água, indicado a treze Oscar (incluindo melhor filme, diretor, atriz, e ator e atriz coadjuvantes), o mexicano Guillermo del Toro finalmente chega perto de um reconhecimento que há bastante tempo lhe é devido, por suas contribuições muito originais ao cinema – um universo rico de símbolos que está presente igualmente nos seus filmes de circuito mais restrito, como A Espinha do Diabo, e em criações pop como os dois Hellboy e Círculo de Fogo. Além disso, A Forma da Água redime Del Toro do passo em falso que fora seu último lançamento, o bonito mas desanimado A Colina Escarlate. E, ainda assim… por mais que A Forma da Água transporte o espectador e mobilize as emoções dele durante a sessão de cinema, falta ao filme uma força que faça ele persistir na lembrança depois que as luzes se acendem. E esse, para mim, sempre foi um dos grandes talentos de Del Toro: formar imagens que continuam comigo bem depois de o filme acabar. Os mecanismos de relógio de Hellboy, os monstros tremendos que emergem do Oceano Pacífico em Círculo de Fogo e tudo, absolutamente tudo, do maravilhoso O Labirinto do Fauno, de 2006 – como o homem pálido com olhos nas palmas das mãos: são coisas de uma beleza terrível, que perturbam e fascinam sem que se saiba sequer dizer por quê. Também há imagens arrebatadoras em A Forma da Água; o que não há é essa sensação de que se mergulhou naquele mundo estranho que fervilha na cabeça de Del Toro. Por isso, desde que assisti a Três Anúncios para um Crime (que estreia aqui em 15 de fevereiro), A Forma da Água passou de meu segundo para terceiro preferido na disputa do Oscar principal – o meu primeiro ainda é, sem dúvida nenhuma, Dunkirk.

    A Forma da Água
    (Fox/Divulgação)

    Se há algo que pode melar o favoritismo de A Forma da Água, é a acusação que começou a rodar por aí de que ele seria plágio de uma peça de 1969, chamada Let Me Hear You Whisper, do americano Paul Zindel. Na superfície, as semelhanças são várias: ambas as tramas se passam num laboratório secreto nos anos 60, durante a Guerra Fria, e tratam de uma faxineira que tenta resgatar uma criatura vinda das águas. Mas, na ficção, Guerra Fria e laboratório secreto são quase sinônimos; e a figura da faxineira não tem nada de extraordinário se se considerar que poucas mulheres trabalhariam numa instalação militar nessa época – e menos ainda teriam livre acesso a todas as áreas, passando quase despercebidas. Os acusadores de plágio mencionam também o detalhe de uma fuga num carrinho de lavanderia. Ora, nada mais comum: o carrinho de lavanderia faz trio com o carrinho de limpeza e o carrinho de serviço de quarto como veículo de fuga predileto do cinema nos casos em que é preciso ocultar o fugitivo. Muito maior, em A Forma da Água, é a quantidade de coisas que são pessoais a Del Toro. Por exemplo, a criatura anfíbia que Sally Hawkins e Octavia Spencer tentam resgatar, que lembra tanto o Abe Sapien de Hellboy (o ator inclusive é o mesmo, Doug Jones) quanto O Monstro da Lagoa Negra (a homenagem aí é explícita; Del Toro adora o terror dos anos 50). Ou os tanques de água com cara de aparato dos anos 20 e 30, a obsessão com texturas, a ideia de que os homens podem ser muito mais deformados, por dentro, do que o são por fora as criaturas que eles julgam monstruosas. Enfim: não posso pensar em um diretor menos necessitado da imaginação alheia do que Del Toro. E, embora na minha opinião ele aqui não chegue perto da obra-prima que é O Labirinto do Fauno, não vou deixar de achar bem bacana se, em 4 de março, ele levar o Oscar – mesmo que, no meu coração, o Oscar seja de Christopher Nolan.

    Leia aqui a resenha completa:


    Qualquer Forma de Amor

    Uma faxineira muda e uma criatura anfíbia presa em um laboratório se apaixonam: em A Forma da Água, de Guillermo del Toro, nada é impossível

    Quando a criatura respira mais forte, a crista nas suas costas e as suas guelras se agitam na mesma intensidade da exalação, e nota-se como é translúcida a carne de que são feitas – tão tenra quanto uma cartilagem que ainda não se tenha formado por inteiro. Com sua pele lisa e úmida, também ela delicada, deve ser excruciante a dor provocada pela argola de ferro quase cru, comido pela ferrugem, que abraça seu pescoço. Conforme quem a vê, a criatura pode parecer bela ou horrível. Mas ninguém ficaria em dúvida sobre a instalação subterrânea em que ela está presa, e onde vem sendo estudada e torturada: a luz lúgubre, o encardido dos azulejos, o cinza institucional das paredes, os estranhos aparatos e as ocasionais poças de sangue no chão de concreto – quem entra num lugar assim não sai mais. Não com vida, ao menos. Em A Forma da Água, que tem treze indicações ao Oscar – cinco a mais que o segundo colocado, Dunkirk –, muito depende dessa imersão do espectador no ambiente, seja ele esse laboratório militar em que nenhuma luz natural penetra, ou os velhos apartamentos gêmeos de Elisa (Sally Hawkins) e de seu amigo Giles (Richard Jenkins), encarapitados sobre um cinema decadente, em que quase se sente nos dedos o puído dos estofados e onde, no fim da tarde, a luz que entra pelo semicírculo dos janelões se difunde nas partículas de poeira que flutuam preguiçosas.

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    A Forma da Água
    (Fox/Divulgação)

    O mexicano Guillermo del Toro é um mestre em criar esses mundos táteis, de texturas que, na tela, parecem ainda mais vívidas que no mundo real. É mestre, também, em ver o belo onde outros enxergam o feio ou o assustador. E Elisa, a faxineira órfã e muda que faz o turno da noite na instalação militar, está aqui no lugar do diretor, persuadindo a plateia de que o monstro anfíbio (Doug Jones) encontrado nas águas da Amazônia não é feio nem assustador – nem sequer é monstro. Para Elisa, aliás, ele é divino: alguém que, como ela, não é compreendido, mas que a compreende completamente. A princípio curiosa com o achado que chega num tanque lacrado (a criatura pode ser bastante perigosa), Elisa às vezes se esgueira para dentro do laboratório e lhe faz pequenas oferendas de paz – um ovo cozido tirado do seu lanche, um sorriso cauteloso, uma palavra soletrada com as mãos.

    Em pouco tempo, estão ambos apaixonados, e Elisa começa a conceber um plano para resgatar o monstro do sádico Richard Strickland (Michael Shannon), o homem que o capturou na selva e que quer destruir essa que ele considera uma abominação – de preferência, causando-lhe muita dor. A exemplo do que se vê em outros filmes de Del Toro, como Hellboy e o magnífico O Labirinto do Fauno (com o qual A Forma da Água faz par, no sentimento e no arrebatamento visual), esse ódio e esse desejo de suprimir são expressão de uma estreiteza muita humana – o medo do que excita ou do que não se compreende. Quando conjugada ao poder, porém, ela torna-se formidavelmente destrutiva. E destrói, antes de mais nada, o próprio homem que cultiva esses sentimentos: é Strickland o monstro aqui – não a criatura que, na memória afetiva de uma parte da plateia, simpaticamente evoca a do clássico B O Monstro da Lagoa Negra, de 1954.

    A Forma da Água
    (Fox/Divulgação)
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    Por mais inimigos que tenha, contudo, Strickland é intocável: está-se em 1962, Estados Unidos e União Soviética podem a qualquer momento se engalfinhar num conflito nuclear, e a criatura é considerada assunto de segurança nacional. Os cientistas do projeto, como o doutor Robert Hoffstetler (Michael Stuhlbarg, o ator onipresente deste ano). perderam sua autoridade para Strickland. Que é bruto, mas não burro. Ninguém nota Elisa e sua inseparável colega de faxina Zelda (Octavia Spencer, um deleite); elas são parte da paisagem habitual da instalação – mas não para Strickland, que adivinha a inteligência e a iniciativa da dupla. (Se há algo que nem o lúbrico Strickland seria capaz de conceber, são os momentos de sexo entre Elisa e a criatura – pelos quais Del Toro merece nota “A” em erotismo evocado à revelia de qualquer senso comum.)

    Desde a recepção estrondosa que obteve no Festival de Toronto, em setembro, A Forma da Água vem sendo cotado como o líder provável na disputa do Oscar. Algumas semanas atrás, entretanto, outro candidato forte despontou – o corrosivo Três Anúncios para um Crime, que recebeu sete indicações e deve estrear no Brasil em 15 de fevereiro. Há quem interprete essa divisão das preferências como sintoma de uma concorrência entre duas visões opostas de mundo, uma mais otimista e a outra, pessimista (ou realista, diriam aguns). Trata-se de uma simplificação tosca: ambos os filmes partem da constatação de que não há horror inventado que se compare àquele que os homens perpetram uns contra os outros. Mas ambos acreditam também que há, no ser humano, alguma qualidade que pode ser tão primordial quanto a barbárie: a bondade, no caso de Três Anúncios, e a imaginação, no caso de A Forma da Água – esta, para Del Toro, uma força tão transformadora que pode até criar novas realidades. Como a do amor genuíno, que tudo vence, entre uma moça muda e uma criatura saída das águas.

    Isabela Boscov
    Publicado originalmente na revista Veja em 31/01/2018
    Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
    © Abril Comunicações S.A., 2018

    Trailer

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    A FORMA DA ÁGUA
    (The Shape of Water)
    Estados Unidos/Canadá, 2017
    Direção: Guillermo del Toro
    Com Sally Hawkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Michael Shannon, Richard Jenkins, Doug Jones, Nick Searcy
    Distribuição: Fox

     

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