Esquenta para “Casa de Papel”: 5 séries que não são ótimas, mas fisgam
Presidiárias espanholas, mulheres desconfiadas e novelões de época combatem a abstinência de quem adora reviravoltas mirabolantes
Tentei sinceramente entender essa loucura em torno de La Casa de Papel, mas não dá: é ruim demais. Me irritou muito e não me divertiu em nada (deixo para escrever a respeito quando a terceira temporada estiver para estrear na Netflix, agora em 19 de julho). O que não significa que eu seja imune aos charmes de séries que, mesmo longe de serem boas, são capazes de divertir, prender e até viciar. Pelo contrário: às vezes caio com tudo na armadilha também. Vai aí, então, uma pequena seleção de tramas cheias de reviravoltas que estão dando sopa no streaming – incluindo Vis a Vis, o trabalho anterior de parte do time de La Casa de Papel.
Vis a Vis
Onde: na Netflix
Antes de haver aquela casa de papel, houve esta prisão espanhola – meio de araque, como pelo jeito é a norma no trabalho do criador/roteirista Álex Pina, mas muito divertida. Aliás, é o programa mais viciante desta seleção. Coitadinha da jovem e bem-educada contadora Macarena (Maggie Civantos), tão inocente: cometeu fraude financeira apenas porque o amante casado a persuadiu de que assim ele largaria a família e eles ficariam juntos. Mas, desde o momento em que ela entra no fictício (e ponha-se fictício nisso) presídio de Cruz del Sur, as coisas não param de dar incrivelmente errado para ela. No rolo entram um tesouro de 9 milhões de euros, a malvadíssima presa Zulema (Najwa Nimri) e sua amiga cigana, Saray (Alba Flores, única boa atriz de La Casa de Papel, onde faz Nairóbi), um médico pervertido (o argentino Ramiro Blas) e o carcereiro Fabio (Roberto Enríquez), que é muito guapo e valente, mas a toda hora muda de opinião sobre Macarena – ora está doido por ela, ora a odeia. Isso tudo só para ficar na trama central. É nota zero em realismo, mas 10 como passatempo sem compromisso, com a vantagem de que o elenco é bem melhor que o de La Casa de Papel (o que não quer dizer muita coisa, mas vá lá). Atenção: até aqui, a Netflix só tem as duas primeiras das quatro temporadas.
Poldark
Onde: na GloboSat +
Ross Poldark, herdeiro de uma família antiga da Cornuália, vai lutar na guerra e, em 1781, é dado como morto nos campos de batalha. Mas eis que, em 1783, bem na noite em que sua prometida Elizabeth fica noiva de seu primo Francis, Ross reaparece, muito vivo – e agora muito bravo. A família pressiona para que ele vá tentar a sorte em algum outro canto da Inglaterra. Mas o Capitão Poldark decide que não vai arredar pé dali. Retoma a casa do pai falecido, tenta pôr alguma ordem entre o casal de velhos criados preguiçosos e beberrões e cisma de fazer a mina de cobre do pai voltar a render. As pedras no seu sapato: a paixão que agora azedou por Elizabeth e o arrivista George Warleggan, que morre de inveja de Ross desde a infância e, agora, milionário, pode atormentar seu rival. Ross, porém, não é assim tão fácil de atormentar, porque não dá a mínima para o que os outros pensam – e prova disso está no seu casamento repentino e escandaloso com Demelza, sua criada de cozinha. Poldark é um novelão, e com muito orgulho: Ross (Aidan Turner) é nobre de sentimentos, obstinado, esquentado e arrebatador, e tem cabelos negros revoltos que deixam as moças loucas. George Warleggan (Jack Farthing) é abjeto, sem caráter, manipulativo e afetado. Elizabeth (Heida Reed) é altiva, mas é também fraca e toma péssimas decisões. E Demelza (Eleanor Tomlinson) é livre, amorosa, bondosa e fogosa, e tem um nível altíssimo de tolerância para com as burradas de Ross. Que, com tudo que o recomenda, é teimoso feito uma mula, e adora insistir nos mesmos erros. Essa é a graça da coisa, claro. A três temporadas disponíveis na GloboSat Mais (a quarta ainda não chegou lá) andam rápido: cada um dos episódios é repleto de acontecimentos, de personagens secundários coloridos e de subtramas movimentadas.
Dilema
Onde: na Netflix
Não há um ator no elenco nem uma reviravolta sequer da trama que seja capaz de convencer mas, ainda assim (ou por isso mesmo), Dilema entretém com a competência folhetinesca da história de Lisa Donovan (Jane Levy), uma jovem geneticista que tem uma ideia tão revolucionária que ninguém quer financiá-la. Entra em cena a investidora Anne Montgomery (Renée Zellweger), que propõe um pacto diabólico: Lisa ganha os milhões de dólares necessários se deixar que seu marido passe uma noite com ela, Anne, comprometendo-se ao sigilo absoluto sobre tudo que aconteceu entre eles. Lisa e Sean (Blake Jenner), o marido, acham que vale a pena. E é claro que imediatamente se verão enredados numa teia de mortes, traições e outros desastres. Jane Levy, que se saiu bem em A Morte do Demônio e O Homem nas Trevas, aqui está completamente inexpressiva, assim como Blake Jenner – enquanto Renée Zellweger faz mais caras e bocas do que parece possível a alguém que não seja feito de chiclete. Mas, uma vez que se comece a assistir, é difícil resistir à vontade de saber onde essa bagunça toda vai parar.
Medici – Masters of Florence
Onde: na GloboPlay
Esta aqui segue a linha de Os Borgias e The Tudors: retrata a saga da família mais poderosa da poderosíssima Florença dos séculos 15 a 17 com elenco chamativo mas nem sempre na sua melhor forma dramática, locações estupendas (a região italiana da Toscana naturalmente é de virar a cabeça e dispensa maquiagem), figurinos suntuosos e jeitão de novela. Em 1429, a morte suspeita de Giovanni de Medici (Dustin Hoffman), o comerciante que graças à sua astúcia e à sua frieza implacável virou banqueiro do papa, cria dificuldades adicionais para seus descendentes: além de ter de se ver com a inveja de sempre dos nobres e com a política letal da República de Florença, eles se tornam alvo das maquinações pesadas da família Albizzi para derrubá-los de sua situação de poder quase absoluto. Cabe a Cosimo (Richard Madden) chefiar a família e o banco e desviar dos golpes sujos dos Albizzi. Lorenzo, seu irmão esquentado e nem sempre racional, mais atrapalha do que ajuda; Contessina, sua mulher, quer e pode ajudar, mas Cosimo nunca a perdoou por ter sido obrigado a casar com ela (não que Contessina tenha culpa; também ela foi obrigada ao casamento). E assim, entre ininterruptas armações e traições, vê-se como Cosimo se tornou o patrono de fato de Florença e o patriarca de uma linhagem que produziria quatro papas, duas rainhas de França e várias figuras memoráveis e financiaria muitos dos nomes mais ilustres das artes da Renascença. A GloboPlay tem a primeira temporada; a segunda já foi ao ar lá fora, e uma terceira deve estrear este ano, acompanhando até os últimos representantes da dinastia.
Doctor Foster
Onde: na Netflix
Ou a doutora Gemma Foster (Suranne Jones) é a mais perspicaz das mulheres, ou a mais paranoica (ou, vai ver, no fundo sabe bem com que tipo de homem se casou): um único fio de cabelo loiro num cachecol usado por seu marido é o que basta para ela começar a questionar todos os anos de casamento feliz e entrar numa espiral de desconfiança. Por mais que siga, vigie e espione, porém, Gemma não consegue achar uma evidência sequer de traição – não que isso a faça desistir. E sabe como é, quem procura acaba achando. Ou pelo menos acaba se encrencando, já que o comportamento errático da doutora coloca em risco não apenas seu casamento (que pode ser bom, mas pode não ser), como também seu relacionamento com o filho adolescente e a sua carreira na clínica da cidadezinha inglesa onde ela vive e é muito respeitada. Suranne Jones é mais atriz do que parece ser aqui, e não por acaso foi escolhida como peça central de Gentleman Jack, da HBO: a maneira como ela equilibra razão e doideira é o que segura esta série. Também Bertie Carvel, que faz seu marido, foi muito bem escolhido: se você acha que ele é um tipo naturalmente desagradável, veja Jonathan Strange & Mr. Norrell para ver que não, não é. E Jodie Comer, a razão de ser de Killing Eve, tem uma ótima participação também.